quarta-feira, 4 de junho de 2008

Fábrica de notícias, manipulação de consciências


Sob o título «Relatório da Interpol sobre os computadores de número 2 das FARC exaspera Hugo Chávez», o Público do passado dia 17 de Maio (sábado) publicou uma longa notícia, onde afirma que «A Interpol anunciou quinta­‑feira o resultado da análise aos computadores de Raul Reyes, o segundo comandante das FARC, morto em Março por tropas colombianas no Equador: ninguém corrompeu, garantiu, os dados guardados». Depois do subtítulo «Media manipulados?», continua com uma citação de El País anterior ao Relatório da Interpol: «com base em fontes próximas dos investigadores Chávez (…) teria dado armas e dinheiro à guerrilha colombiana…»! O noticiário da RTP seguiu nesta peugada.

Mas o que conclui o relatório, sobre o que verdadeiramente importava?

CONCLUSÕES DO RELATÓRIO [1]

Pese o enorme esforço das conclusões (pág. 8/41 e segs.) em darem margem de manobra ao governo colombiano, o relatório conclui que:

– As autoridades colombianas entregaram como “provas” computadores portáteis (três), discos duros externos (dois), PENs (três), num total de 609,6 gigabytes de dados em forma de documentos, imagens e vídeos (conclusão n.º 1). No relatório dizem que estes dados correspondem a 39,5 milhões de páginas A4!

– Que as autoridades colombianas acederam a todas as provas instrumentais. (conclusão 2)

– Que as autoridades colombianas especializadas procederam correctamente, de forma a preservar o conteúdo original das provas (conclusão 2.a).

– Que entre as 7:50 horas do dia 1 de Março e as 11:45 do dia 3 de Março, momento em que as provas foram entregues ao Grupo Investigativo de Delitos Informáticos ... (DIJIN) das forças militares colombianas tiveram «acesso aos dados contidos nas citadas provas [e este] não se ajustou aos princípios internacionalmente reconhecidos para o tratamento» destas provas (conclusão 2.b).

– Não encontrou indícios que «se tenham criado, modificado ou suprimido arquivos de utilizador em nenhuma das ditas provas»! (conclusão 3).

Na explicitação das conclusões, páginas 31/41 e segs., afirma-se (por razões de espaço somámos os itens de cada prova) que no conjunto das provas, foram:

– «criados» 7.868 arquivos de sistema;

– «abertos» 27.901 arquivos de sistema e de utilizador;

– «modificados» 9.381 arquivos de sistema;

– «suprimidos» 2.905 arquivos de sistema;

– Que entre 7 de Março de 2009 e 16 de Outubro de 2010 (não é gralha, são estas as datas) foram criados 4.244 (quatro mil duzentos e quarenta e quatro) arquivos, dos quais 699 continham música, vídeos e imagens!

Em que ficamos?

O QUE A INTERPOL NÃO CONCLUIU E TINHA OBRIGAÇÃO DE SE PRONUNCIAR

Antes de mais, que as “provas” que lhe foram apresentadas e os documentos nelas contidos eram autênticos ou falsos.

Não se interroga como, depois de um bombardeamento arrasador que destruiu totalmente o acampamento, os 3 computadores (para que queria Reyes 3 computadores na selva equatorial?) ficaram intactos. Alguém no seu perfeito juízo acredita que no pouco tempo que durou o ataque e a aterragem dos helicópteros para recolher os cadáveres, ainda pudessem encontrar no meio dos destroços, 2 discos duros externos e 3 minúsculas PENs em perfeitas condições de utilização?

A INTERPOL tem um longo passado de suspeição e colaboração com regimes ditatoriais [2], por isso, entre outros, foram seus presidentes Heydrich, n.º 2 das SS nazis, o português Agostinho Lourenço, principal responsável da PIDE, até culminar com Jackie Selebi, obrigado a demitir-se em Fevereiro de 2008, quando se tornou pública a acusação de ter recebido 170 mil dólares para proteger o narcotraficante Glen Aglioti…

Ronald K. Noble, actual secretário-geral da Interpol, é um fiel funcionário do império. Apesar dos seus 51 anos, já passou pelo Departamento do Tesouro, onde criou os seus serviços secretos, foi encarregado da aplicação do bloqueio a Cuba, etc…

Ao contrário do que se pretende fazer crer, a Interpol não é uma polícia internacional e nunca foi isenta. É um organismo de troca de informações, hoje dominado pelos EUA. Por isso foi presidida por um director da PIDE e não da Polícia Judiciária.

O apelo de Uribe à Interpol foi feito com a certeza de que esta organização lhe iria dar alguma margem de manobra para continuar a especular sobre os pretensos documentos de Reyes. O Relatório é um repositório de confusões disfarçadas (entre quem e como acederam às “provas” na Colômbia), de promoção da sua “imparcialidade”, numa demonstração de má consciência, e de omissões comprometedoras: poderiam aquelas provas ter pertencido a Raul Reyes?

OS MEDIA E A CENTRAL MEDIÁTICA DO IMPERIALISMO

A escolha da Interpol não é inocente. Era preciso um Relatório que, não concluindo o impossível (o governo não mexeu no computador antes de o entregar ao DIJIN), permitisse alguma margem de manobra a Uribe e à elaboração de notícias pelo central imperial de notícias. Depois, os media periféricos como o Público e El País cumprem o papel de divulgar no mercado o produto da fábrica de notícias.

Vivemos um tempo da informação única, onde investigar (ler o Relatório da Interpol) é perder tempo e produtividade. Vivemos um tempo em que «a informação que temos não é a que desejamos. A informação que desejamos não é a que precisamos. A informação que precisamos não está disponível» (John Peers). As “notícias” do Público e a da RTP do dia 17 de Maio, de conteúdo semelhante, são um exemplo mais de que a informação que temos não só não é a que desejamos, como é a elaborada no que podemos chamar a central de elaboração de notícias do Império e depois divulgada, urbi et orbe pelos media periféricos. Tem um pouco de verdade (há um relatório da Interpol) e muito de divulgação do que se quer fazer crer como verdade – «…ninguém corrompeu, garantiu [a Interpol], os dados guardados»!

Como disse Luís Fernando Veríssimo, vivemos um tempo em que «às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data».

______
[1] O relatório oficial (em espanhol) está disponível em: www.Interpol.int/Public/ICPO/Pressreleases/PR2008/pdfpr200817/ipPublicReportNoCoverES.pdf
[2] Ver http://www.infoalternativa.org/midia/www.radiomundial.com.ve/YVKE/notícia.php5920

1 comentário:

Anónimo disse...

Viva a Liberdade total

O Peixe Morcego Vulcânico Cego