quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A Bolívia corre um risco grave de jugoslavização


Para sociólogo, a elite do oriente, apoiada pela embaixada dos EUA e contando com grupos armados contratados por latifundiários bolivianos, brasileiros e estadunidenses, está a agir para promover a divisão do país.
«Os sectores das oligarquias do oriente boliviano não estão somente a reagir contra o processo de transformações que o governo Evo Morales está a implementar e que afecta directamente os seus interesses – sobretudo no manejo da terra e dos excedentes procedentes do gás –, como agora estão numa clara ofensiva destinada a promover a divisão da Bolívia, com o argumento das autonomias», analisa o sociólogo Eduardo Paz Rada, da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA).
Segundo ele, tais acções estão vinculadas à estratégia do imperialismo estadunidense de provocar uma crise regional e tentar frear os processos revolucionários e reformistas nos países da região. Há cerca de três semanas, os governadores opositores de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando vêm promovendo, ao lado de comités cívicos regionais, formados principalmente por empresários, a tomada de controle de instituições estatais nos departamentos (estados). A justificação deles é a pressão pela devolução do montante do imposto sobre o gás destinado às regiões que foi cortado em parte pela gestão Evo para financiar uma bolsa para os idosos.
Para Rada, o governo do presidente Evo Morales, ao não haver adoptado medidas há vários meses contra tal arremetida, encontra-se agora em grandes dificuldades. «O país corre um risco grave de jugoslavização e fragmentação devido ao facto de que as oligarquias do oriente, apoiadas pela embaixada dos Estados Unidos, possuem grupos armados, contratados especialmente por proprietários de terras bolivianos, brasileiros e estadunidenses», diz. O termo “jugoslavização” é uma referência à desintegração da então Jugoslávia em vários países a partir da década de 90.
Ainda segundo o sociólogo, o Executivo deve tomar medidas urgentes com acção directa das Forças Armadas, da Polícia Nacional e dos movimentos sociais. «Seja através do estado de sítio, ou de açcões fundadas na lei e na Constituição, o governo deve actuar rapidamente e com energia, sobretudo para frear desde agora mesmo o controle territorial dos sectores das oligarquias regionais».
Estado de sítio
Desde que as mobilizações da oposição tiveram início, as Forças Armadas e a polícia vêm evitando actuar com mais energia. Em muitos dos casos, os militares e polícias que resguardavam as entidades foram obrigados a retirar-se, diante do forte assédio dos manifestantes. No entanto, nesta sexta-feira (12), a entidade militar confirmou o deslocamento de soldados às regiões em conflito e afirmou que aguarda uma ordem escrita por Evo Morales para recuperar as instituições públicas e reprimir os grupos de «vândalos ou radicais». Já o presidente disse sentir-se culpado pelas humilhações sofridas pelo exército e pela polícia, já que foi ele quem pediu para que não fossem usadas armas de fogo.
No mesmo dia, o governo decretou estado de sítio no departamento de Pando, devido à morte, oficialmente, de oito pessoas (sete delas camponeses apoiantes de Evo) num enfrentamento com funcionários do governo departamental em El Porvenir.
O Executivo, defensores de direitos humanos e camponeses chamam o ocorrido de «massacre» e acusam o governador Leopoldo Fernández de ter armado os funcionários e ter contratado mercenários peruanos e brasileiros para impedir que os apoiantes de Evo chegassem à capital Cobija, a 30 km do local das mortes, que podem aumentar, já que 35 camponeses ainda estão desaparecidos.
Já Fernández nega as acusações, afirma que não acatará o estado de sítio e desautorizou o governador de Tarija, Mario Cossío, a representá-lo no diálogo com o Executivo, iniciado na sexta-feira.
Em Cobija, um soldado morreu, vítima de um disparo por arma de fogo, e seis civis ficaram feridos à bala na retomada pelo exército do aeroporto Capitán Anibal Arab, que estava em controle dos opositores desde o dia 5. Segundo alguns relatos, os militares ingressaram no local atirando para o ar, e foram recebidos com disparos de metralhadoras.
Movimentos reagem
Enquanto isso, teve início, na noite de sexta-feira, um diálogo entre governo e oposição, representada por Mario Cossío. Depois de mais de oito horas de reunião, foram acordadas as bases das negociações, que serão retomadas no domingo (14). Mesmo assim, os movimentos sociais do país acentuaram suas acções em retaliação às medidas de pressão dos opositores.
No dia 10, cultivadores de folha de coca do Chapare, no centro da Bolívia, iniciaram um cerco à Santa Cruz de la Sierra, com fechamento de estradas. Desde então, os pontos de bloqueio vêm aumentando. No dia 11, Eugenio Rojas, prefeito da cidade de Achacachi, no ocidente do país, e líder do movimento indígena “poncho rojos”, declarou estado de emergência nas filas camponesas e ameaçou a tomada de terras e fábricas no oriente.
Outros dirigentes sociais, separadamente, afirmaram que retomarão as instituições públicas controladas pela oposição e defenderão o governo Evo, se necessário, com as suas vidas.
Na quinta-feira à noite, a Federação Nacional de Cooperativas Mineradoras (Fencomin) havia dado um prazo de 72 horas aos governadores da oposição para que estes retomassem o diálogo com o Executivo. «Caso contrário, as cooperativas mineradoras mobilizar-se-ão a nível nacional em defesa da democracia em liberdade, da igualdade social e da unidade do país. Se eles exigem o nosso sangue, nós vamos oferecê-lo mais uma vez para o benefício de todo o povo boliviano», diz o comunicado da entidade.
«Considero necessário que se combinem a acção das instituições militares com a mobilização popular, especialmente para respaldar os sectores afins ao governo que se encontram combatendo no seio mesmo do conflito em Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija. Parece, a esta altura da situação, que não se poderá evitar o enfrentamento directo e de grande dimensão, e que já prevíamos que se desataria pela decisão das classes dominantes de não perder os seus privilégios e o poder económico e político», opina o sociólogo Eduardo Paz Rada.
Em Santa Cruz de la Sierra, os dirigentes da Confederação de Povos Indígenas do Oriente (CIDOB) declararam-se na clandestinidade, em virtude da perseguição que estão a sofrer por grupos opositores a Evo Morales.
Na tarde de quinta-feira, integrantes da União Juvenil Cruzenhista (UJC) invadiram e saquearam a sede da CIDOB, e atacaram as casas dos seus líderes. «Queremos denunciar ao mundo que o governador Rubén Costas quer massacrar os indígenas que, até ao momento, não responderam a nenhuma das suas provocações», disse Adolfo Chávez, presidente da organização.
«Conspiração»
E, no meio da polémica da expulsão do embaixador dos EUA em La Paz, Philip Goldberg, o ministro da Presidência boliviano, Juan Ramón Quintana, acusou a USAID (agência estadunidense de apoio ao desenvolvimento) de contratar políticos neoliberais dos governos anteriores para desestabilizarem a gestão do presidente Evo Morales, principalmente com o apoio à oposição regional.
«A USAID converteu-se em refúgio político e económico de todos aqueles funcionários do mais alto nível de Goni [Gonzalo Sánchez de Lozada] e Carlos Mesa. Portanto, estes funcionários, com a informação do Estado, fizeram um complô, durante todo esse tempo, contra o governo nacional», disse.
Quintana detalhou a denúncia: de acordo com ele, Carlos Campero, ex-funcionário de Lozada, passou a trabalhar no escritório encarregado em temas de descentralização da entidade estadunidense. «Sector que trabalhou em projectos de apoio nos governos departamentais da oposição».
Além de Campero, teriam sido contratados pela USAID Javier Cuevas, ex-ministro da Fazenda de Lozada e Mesa; Javier Rebollo, ex-diretor geral do Tesouro Nacional; José Nogales, ex-vice-ministro de Política Tributária de Lozada e Mesa; e Juan Brun, ex-director do Instituto Nacional de Reforma Agrária no governo Lozada.
O ministro da Presidência fez a denúncia ao justificar a expulsão do país do embaixador estadunidense, por conspiração contra o governo e a unidade boliviana. Segundo Quintana, um dos resultados da actuação do diplomata «estamos a experimentar agora, com a violência e o enfrentamento nos departamentos de Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija, parte da estrutura conspirativa montada com os recursos da USAID na Bolívia, sobre a qual nem o embaixador soube explicar».

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