A Minga Nacional de Resistência Indígena e Popular mobiliza, durante as duas últimas semanas, os povos nativos em 17 departamentos da Colômbia. Ocorrem também paralisações de actividades dos trabalhadores no sector açucareiro, dos juízes e de outros empregados do sector público. Para um governo aferrado aos dados dos institutos de pesquisas, que o colocam no ápice da popularidade, os protestos não podem ser outra coisa que não seja conspirações políticas, infiltrações da guerrilha ou planos de desestabilização. Entretanto, o aumento do inconformismo demonstrado pela Minga, “trabalho colectivo para o bem comum”, e as greves que vão se somando para formar um movimento cada vez mais contínuo, são, antes de tudo, o resultado de factos económicos, de leis aprovadas e de políticas do governo, enquanto este se empenha em fechar os olhos. A luta dos povos indígenas cresceu desde 2004. A Minga Indígena na cidade de Cali em Setembro de 2004, a consulta popular que rejeitou o Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos em seis municípios do departamento de Cauca em 2005, e a libertação da Mãe Terra em 20 fazendas de Cauca entre Setembro e Novembro desse ano, pelo não-cumprimento da reparação integral pelo massacre de 20 indígenas no El Nilo (cometido no dia 16 de Dezembro de 1991), foram maciças mobilizações que sacudiram as mentalidades. Também foi a cúpula contra o TLC, de Maio de 2006, que paralisou Cauca e o seu vizinho Nariño durante cinco dias, opinião também expressada em marchas nos departamentos de Huila, Valle del Cauca, Tolima, Caldas e outros lugares. No dia 19 de Agosto deste ano, em Popayán, capital de Cauca, a marcha em solidariedade aos leiteiros afectados por medidas oficiais foi uma festa popular. Embora os seus direitos fundamentais estejam reconhecidos pela Constituição e por convénios internacionais, os indígenas lutam porque na prática governamental se desconhece a obrigação de consultá-los sobre a adopção de qualquer medida legislativa ou administrativa que os afecte. Assim ocorreu com a lei florestal, declarada inconstitucional pela Corte Constitucional depois de vários meses de vigência, pela falta de consulta aos indígenas e afro-colombianos. Os TLC com os Estados Unidos e o Canadá são considerados pelos povos indígenas lesivos aos seus direitos, pois permitem que árbitros internacionais dirimam os seus conflitos com empresas multinacionais, estabelecem normas de propriedade intelectual que ameaçam a propriedade colectiva do saber e do património cultural, e permitem patentear seres vivos. Além disso, esses TLC estimulam as privatizações e priorizam leis aprovadas contra os indígenas, sob a alegação de uma “estabilidade jurídica” que garante indemnizações aos investidores se essas leis forem alteradas. A importação de alimentos, incentivada pelos tratados, afecta os indígenas como aos demais agricultores. O governo apresentou projectos de lei e reformas à Constituição para reduzir ou eliminar direitos indígenas. O Estatuto Rural de 2007 é um exemplo: nos seus artigos contradiz direitos consagrados pelo Convénio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), proíbe que na região do Pacífico e na bacia do Rio Atrato (noroeste do país) sejam constituídas ou ampliadas reservas indígenas e que seja devolvido, ou saneado, o território perdido às já existentes. O Estatuto permite aos municípios e aos departamentos desconhecer o território indígena mediante normas de ordenamento territorial e exige dos povos nómades e horticultores itinerantes uma ocupação «regular e permanente». Outras leis sobre mineração ou exploração de hidrocarbonetos e aquedutos e vários projectos sobre águas ou terras também são lesivos. O governo chegou a propor reformas constitucionais para eliminar a acção judicial de tutela, que permite proteger direitos colectivos, e para suprimir o carácter de entidade territorial autónoma que têm todos os territórios indígenas. O governo colombiano foi o único da América Latina que não votou a favor da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adoptada em 13 de Setembro de 2007. Os Estados Unidos e o Canadá votaram contra. Os indígenas protestam porque os TLC com estes dois países e as normas desfavoráveis foram impostas a meio de uma escalada de violência, assassinatos e violações múltiplas dos seus direitos humanos. A maior quantidade de assassinatos de indígenas, desde que existem estatísticas, registrou-se no primeiro período do governo de Álvaro Uribe (2002-2006). Entre 17 de Setembro e 12 de Outubro foram assassinados na Colômbia 15 nativos. Desde 2005, as mobilizações são reprimidas com fuzis, com saldos de mortos e feridos a tiros. Isso repetiu-se neste mês de Outubro. Os assassinatos, que durante anos foram cometidos por paramilitares, guerrilheiros e a força pública, bem como a repressão armada às mobilizações, estão a ajudar a despojar os indígenas dos seus direitos. A resistência de 500 anos permitiu aos indígenas conservar 20% do seu território. Apostam na resistência civil porque entendem que o actual conflito armado serve para deslocar maciçamente a população e é o motor de um despojamento não apenas de terras, mas de direitos. Assim, a Minga de Resistência deste mês de Outubro, da qual faz parte a grande marcha de Cali dirigida pela Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC), foi preparada com o povo, em centenas de assembleias, audiências e reuniões comunitárias. Daí o seu êxito. Fonte: Terramérica |
terça-feira, 4 de novembro de 2008
Por que os indígenas da Colômbia protestam
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