quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O ataque a Mumbai

Os líderes indianos precisam de olhar mais para perto
O ataque terrorista a hotéis de cinco estrelas de Mumbai foi bem planeado, mas não necessitou de muita perícia logística: todos os alvos eram fáceis. O objectivo foi criar grande confusão apontando o foco sobre a Índia e sobre os seus problemas, e nisso os terroristas tiveram sucesso. A identidade do grupo encapuzado permanece um mistério.
O Deccan Mujahedeen, que reivindicou o atentado através de correio electrónico para a imprensa, é certamente um novo nome provavelmente escolhido unicamente para este acto. Mas a especulação alastra. Um responsável da marinha indiana afirmou que os atacantes (que vieram num barco, o M V Alpha) estavam ligados a piratas da Somália, fazendo supor que esta tenha sido uma vingança contra a bem sucedida acção sangrenta contra piratas, no Golfo Arábico, que provocou grandes baixas há algumas semanas atrás.
O Primeiro-Ministro da Índia, Manmohan Singh, insitiu na ideia de que os terroristas tinham origem fora do país. Os meios de comunicação indianos deram eco a esta linha de argumentos, com o Paquistão (via Lashkar-e-Taiba) e a Alcaida na lista dos suspeitos habituais.
Mas este é um pensamento construído pela imaginação política oficial da Índia. A sua função é negar que os terroristas possam ser uma variedade caseira, um produto da radicalização de jovens muçulmanos indianos que finalmente tenham desistido do sistema político autóctone. Aceitar esta visão implicava que os médicos políticos do país precisavam de se curar a eles mesmos.
A Alcaida, como a CIA esclareceu recentemente, é um grupo em declínio. Nunca chegou perto de repetir algo que vagamente se assemelhe aos ataques de 11 de Setembro.
O seu líder principal, Osama bin Laden, pode muito bem já estar morto (ele não fez a sua intervenção vídeo habitual nas eleições presidenciais norte-americanas deste ano) e o seu representante já não lança tantas ameaças e fanfarronices.
Então e o Paquistão? O exército do país está profundamente envolvido em acções na fronteira noroeste, onde o extravasar da guerra afegã desestabilizou a região. Os políticos actualmente no poder estão a fazer repetidas aberturas à Índia. O Lashkar-e-Taiba, normalmente pouco tímido em reivindicar os seus ataques, negou veementemente qualquer envolvimento nos ataques de Mumbai.
Porque é que seria tão espantoso se os perpetradores fossem eles próprios muçulmanos indianos? Não é segredo nenhum que tem havido muita revolta no seio das secções mais pobres da comunidade muçulmana contra a sistemática discriminação e contra actos de violência levados a cabo contra eles, dos quais a perseguição anti-muçulmana de 2002, na lustrosa Gujarat, foi apenas o episódio mais escandaloso e mais investigado, apoiado pelo Ministro Chefe do Estado e pelo aparelho estatal local.
Acrescentem a isto a contínua acrimónia de Caxemira que tem sofrido desde há décadas tratada como uma colónia pelas tropas indianas, com detenções, torturas e violações de habitantes da Caxemira numa rotina diária. As condições têm sido muito piores do que no Tibete, mas despertaram pouca simpatia no Ocidente, onde a defesa dos direitos humanos é altamente instrumentalizada.
Os serviços de informação indianos estão bem cientes de tudo isto e não devem encorajar as fantasias dos seus líderes políticos. É preferível aparecer e aceitar que há graves problemas dentro do seu país. Mil milhões de indianos: 80% hindus e 14% muçulmanos. Uma enorme minoria que não pode ser sujeita a limpeza étnica sem provocar um conflito mais alargado.
Nada disto justifica o terrorismo, mas devia, pelo menos, obrigar os líderes indianos a dirigirem a sua atenção para o seu próprio país e para as condições existentes. As disparidades económicas são profundas. A noção absurda de que os efeitos em cascata do capitalismo global iriam resolver a maioria dos problemas pode agora ser observada como o que sempre foi: uma parra para esconder novas formas de exploração.

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