segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Uma outra Colômbia é possível


Lembro­‑me da preocupação de Garcia Marquez – quando via o que estava a acontecer na Argentina, por volta de 1977 – de que a Colômbia não se transformasse numa outra Argentina. Ele ainda não havia recebido o Prémio Nobel, elevando o nome do país à escala mundial, para que se desse conta do caminho em que havia enveredado a Colômbia.

Três décadas depois, a Colômbia continua a ser um dos epicentros da “guerra infinita” do governo Bush. Álvaro Uribe é produto dessa política, o aliado mais estreito, dos poucos com que conta a política belicista de Washington na América Latina. Uribe foi eleito com a promessa da famosa “mão dura”, a busca de uma solução “iraquiana”, “bushiana”, para a Colômbia, considerando que as tentativas dos presidentes anteriores de pacificação mediante negociações haviam fracassado.

Um país cansado da violência viu um presidente conivente com os grupos paramilitares – e, através deles, com os cartéis do narcotráfico – concentrar os recursos militares colocados à sua disposição pelo governo estadunidense, em operações militares, supostamente como via de triunfo da democracia no país. O isolamento das guerrilhas favoreceu a consolidação de Uribe que – tal como outros presidentes neoliberais do continente, como Fujimori e Cardoso – mudou a Constituição do país durante seu mandato, para se reeleger – e agora tenta conseguir um terceiro mandato.

Fez uma política interna ortodoxamente neoliberal, sem se dar conta do seu esgotamento em todos os países do continente. Levou à prática uma política repressiva que afectou claramente os direitos democráticos da população, contando – como acontece com todas as políticas anti­‑populares no continente – com o apoio da grande mídia oligárquica. Isolou-se dos processos de integração regional, tentou assinar um tratado de livre comércio com os EUA, só não conseguindo pelas restrições que o Partido Democrata levantou sobre as precaríssimas condições dos direitos humanos na Colômbia sob a sua presidência.

Uribe não quer que se concretize a troca entre prisioneiros das FARC por prisioneiros do seu governo. O seu apoio interno depende da diabolização das FARC, que lhe permite aparecer como o homem da “ordem”. Quando foi reeleito, Uribe teve como principal opositor Carlos Gaviria, candidato do Polo Democrático, partido de esquerda, que desbancou os partidos Liberal e Conservador, apresentando-se como a maior ameaça à continuidade de Uribe. Nas recentes eleições municipais, de Outubro, o governo perdeu nas principais cidades – como Bogotá, novamente conquistada pelo Polo Democrático, Medellin e Cali – para candidatos de esquerda. Revela­‑se assim como nas políticas governamentais em geral Uribe – que apoiou os candidatos perdedores – não conta com apoio popular, precisando da polarização com as guerrilhas para tentar perpetuar­‑se na presidência do país. Uribe nasceu da violência e sabe que a sua sobrevivência política depende de que a violência não termine.

A tentativa de desbloquear a proposta das FARC de troca de presos da guerrilha por presos do governo revela o papel de cada governo do continente, mostra quem quer soluções pacíficas, democráticas, para as crises e quem deseja perpetuar a espiral de violência na Colômbia. A situação pôde ser desbloqueada graças à actuação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Quando o processo avançava, Uribe usou um pretexto secundário para excluir Chavez da negociação, sabendo que a intermediação deste já havia demonstrado a credibilidade necessária para que o acordo pudesse avançar. Conta com a confiança dos familiares dos presos, com interlocução com as FARC, com capacidade de iniciativa e com a simpatia de sectores políticos democráticos da Colômbia e de muitos governos da região.

As FARC recolocaram o presidente venezuelano nas negociações, a contragosto de Uribe, dispondo­‑se a entregar três dos detidos a Chávez, como forma de desagravo a este, pela atitude arbitrária do presidente colombiano. Esse primeiro gesto, que abre caminho para que todos os presos possam ser trocados, permitiu que Chavez confirmasse toda a sua capacidade de iniciativa política e de mobilização de apoios, revelando o papel de cada um no continente.

Enquanto o governo estadunidense, o colombiano e toda a grande imprensa oligárquica faziam tudo o que podiam para que as negociações fracassassem, os governos da Venezuela, do Brasil, da Argentina, da Bolívia, de Cuba, do Equador – com apoio de governos europeus –, participam activamente do processo de pacificação e de libertação dos presos dos dois lados. (A cobertura da imprensa brasileira é vergonhosa, sem que nenhuma publicação escrita tivesse mandado jornalistas para fazer a cobertura directa na Colômbia.)

Nestor Kirchner e Marco Aurélio Garcia foram representar directamente os governos dos seus países, fazendo­‑se merecedores do apoio da esquerda e de todos os sectores democráticos que, no entanto, até aqui, assistem passivamente aos acontecimentos.

Revelando o seu compromisso consequente com a pacificação da Colômbia, primeiro passo para que uma outra Colômbia – sem violência, sem narcotráfico, sem paramilitares, sem sequestros – seja possível, Hugo Chavez dispõe­‑se a dar sequência às tratativas, apelando inclusive a operações clandestinas, com o objectivo de conseguir a liberdade dos presos.

Da sorte dessas negociações depende o destino e futuro da Colômbia. Um futuro de pacificação, soluções negociadas, democratização e integração continental ou a perpetuação do clima de violência e de guerra. Pela primeira alternativa está a grande maioria dos governos da região, que podem contar com a simpatia da maioria do povo colombiano, identificado com os familiares dos presos. Pela segunda, estão os EUA e o governo colombiano. Uma solução de libertação de todos os sequestrados aponta para uma outra Colômbia possível e necessária, para o seu povo e para todo o continente.

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