quinta-feira, 5 de março de 2009

Etanol de milho transgénico: perigo iminente

Enquanto prossegue a desintegração do sistema financeiro internacional, as ameaças sobre o meio ambiente tornam-se mais perigosas. Ambos os processos vão de mão dada. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) anunciou em Novembro passado que tem a intenção de considerar livre de riscos um milho geneticamente modificado gerado pela empresa Syngenta para a produção de etanol. O prazo para receber comentários sobre esta posição acaba de expirar. A desregulação que a USDA poderia decretar nos próximos dias daria luz verde à primeira sementeira à escala comercial de um milho geneticamente modificado para fins industriais.
A Syngenta desenvolveu este milho para reduzir o custo de produzir etanol. O milho tem sido modificado inserindo um transgene ensamblado com materiais de microorganismos que proliferam em águas com muito altas temperaturas. Esse milho não está destinado ao consumo humano. A planta assim transformada pode produzir em grande quantidade a enzima termo-estável alfa-amilase, que permite romper a cadeia de amido do milho às altas temperaturas que intervêm na produção de etanol. O novo processo evita usar a enzima como insumo exógeno e supostamente reduzirá custos, tornando o bio-etanol de milho mais competitivo. Em plena crise, à Syngenta isso parece-lhe muito atraente.
Esta transnacional é uma das empresas que mais beneficiou com a crise de preços de produtos agrícolas. No ano passado, a sua facturação cresceu 26 % e os seus ganhos superaram os 1.400 milhões de dólares. Mas no ramo dos biocombustíveis, os números indicam claramente que o etanol de milho não pode competir com os combustíveis fósseis. O subsídio que os produtores de etanol recebem só lhes permite sobreviver se o petróleo custar 80 dólares por barril. Como os preços do crude se mantêm deprimidos, os que apostaram a favor do etanol de milho estão inquietos. Face a uma luta incerta por mais subsídios, a redução de custos é vista pela Syngenta como a solução.
A produção de etanol de milho é um processo industrial rudimentar, ineficiente e o balanço energético final é mau. A poupança em emissões de gases de estufa do etanol não é evidente. O milho transgénico não alterará isto. Mas as dificuldades não se detêm aqui. Agora o problema é que um milho dotado de uma proteína para fins industriais será semeado em milhões de hectares adjacentes a campos de milho para consumo humano. A contaminação de toda a cadeia alimentar será imediata e, mais cedo que tarde, chegará ao México, centro de origem do milho.
Os efeitos sobre a saúde e os ecossistemas não têm sido bem analisados, mas as consequências económicas e legais negativas multiplicar-se-ão ad nauseam. Os produtores de milho orgânico verão os seus campos invadidos por materiais transgénicos, perderão o seu certificação e sofrerão perdas multimilionárias. Além disso, será mais difícil a consolidação de um projecto agrícola diferente, mais produtivo e amigo do meio ambiente. O sacrifício da agricultura sustentável será acompanhado de uma reforçada tendência para usar os cultivos básicos da humanidade como activos na especulação financeira, algo que deu ganhos gordos às transnacionais como a Syngenta.
Esta notícia coincide com a reunião no México de um comité sobre responsabilidade e reparo de danos no âmbito do Protocolo de Cartagena (PC). É irónico porque nem esse instrumento de direito internacional, nem a legislação mexicana, contêm um marco legal sólido que garanta o princípio de que quem contamina paga. De facto, o caso mais grave de contaminação com materiais transgénicos que se apresentou até hoje (transgénicos em milhos mexicanos) nem sequer está coberto pelo Protocolo de Cartagena. E enquanto este tipo de situações não estiver considerado nesse tratado, é ocioso falar de regras sobre responsabilidade e reparo, como manda o PC. O pequeno comité que se reúne nestes dias no nosso país poderia já fazer uma forte recomendação para ampliar o alcance do Protocolo de Cartagena.
Que faz a delegação mexicana nesta reunião? O secretário executivo da Comissão Intersecretarial de Bio-segurança (Cibiogem), Ariel Álvarez, amanuense de Víctor Villalobos, coordenador de Assuntos Internacionais da Secretaria da Agricultura, esforça-se por debilitar o regime sobre responsabilidade e reparo de danos. Seguramente, como lobistas das transnacionais, continuam a preparar a desregulação para a sementeira de milho transgénico no nosso país.
O governo mexicano continua a fazer tudo ao contrário. Hoje mesmo teria que preparar uma bem redigida nota diplomática dirigida ao governo de Barack Obama, pedindo que a USDA recuse a solicitação da Syngenta e que, no futuro, a sementeira de milho transgénico para fins industriais ou farmacêuticos só se autorize em condições de confinamento. Em lugar disso, os funcionários mexicanos seguramente estão a preparar o próximo comunicado de imprensa sobre a inexistência de materiais transgénicos nos milhos mexicanos.

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