Parece agora altamente provável, embora não seja absolutamente certo, que Barack Obama venha a ser o candidato Democrático à presidência dos EUA. E parece altamente provável que vença a disputa com John McCain. Também parece quase certo que as maiorias democratas do Senado e da Câmara dos Representantes venham a ser alargadas. Assim, parece que Obama poderá vir a assumir funções com um mandato relativamente forte por parte dos eleitores.
Se nos perguntarmos como é que Obama, que entrou na corrida há seis meses como um jovem e pouco provável vencedor, conseguiu este feito, a resposta parece bastante clara. Ele tem vindo a dar relevo ao tema da “mudança” e isto parece ter encontrado eco junto dos eleitores, incluindo muitos que vão votar pela primeira vez. Claro que a mudança é um termo ambíguo, cujo significado varia consoante aqueles que a abraçam. Mas parece que o tema da “mudança” dá resposta ao elevado índice de desconforto sentido nos EUA perante a situação global tanto no país como no mundo. As duas áreas de maior desconforto são a Guerra do Iraque e o estado da economia.
O que a maioria dos eleitores parece estar a dizer é que acham que a guerra do Iraque é um atoleiro e que invadir o país foi um erro. Quanto à economia, os eleitores parecem estar a dizer que o seu nível de vida actual tem vindo a descer e que temem que venha a descer ainda mais. No fundo, estão a rejeitar as linhas de forças argumentativas do regime de Bush, e estão a culpá-las em grande parte pelo seu desconforto. Que mudanças especificas o eleitores querem parece ser menos claro, mas que querem algo, querem.
Obama tem outro atractivo para além da questão da mudança. É uma questão de estilo. Diz que está disposto a falar com qualquer um – com presumíveis forças hostis internacionais, com presumíveis aliados internacionais, e com representantes de todas as facções políticas a nível interno. Isto contrasta com a repetida insistência de Bush de que há todo o tipo de grupos com que os EUA nunca deveriam “negociar”.
Obama tem ainda um outro atractivo estilístico. Diz repetidamente: “Sim, nós podemos!” É um mote emprestado do lendário líder dos trabalhadores rurais hispânicos, Cesar Chavez, cujo slogan era: “Sí, se puede!” Este mote é particularmente atractivo para todos aqueles que se sentiram marginalizados pelo sistema político dos EUA, e que acham que este mote lhes dá poder.
Portanto, agora que Obama parece tão perto de se tornar presidente, tem aumentado a discussão na imprensa, na Internet e em debates públicos sobre o tipo de mudanças que Obama pretende realmente efectuar. Isto parece-me ser a pergunta errada. A verdadeira questão é que tipo de mudanças Obama pode realmente efectuar, uma pergunta bem diferente.
O currículo de Obama é o de um Democrata liberal que se opôs à guerra do Iraque e cujo modo de acção foi sempre centro‑esquerda, uma vezes com ímpeto, outras com prudência. Não há dúvida que pretende imprimir um estilo diferente à Casa Branca. Agora, quão radicalmente diferente será a política que pretende implementar, já é menos evidente. Mas mesmo supondo que ele é politicamente mais radical do que aparenta, a questão mantém-se, que pode ele fazer? Os presidentes norte-americanos têm indubitavelmente poder para afectar de forma considerável as grandes linhas políticas – George Bush foi disso prova – mas também são reféns do seu cargo. Por isso mesmo, vale a pena rever quais são as opções em termos de política externa, política económica, e naquela arena mais vaga a que podemos chamar política cultural.
Na política externa, a questão mais imediata e avassaladora é o Médio Oriente – não apenas no que diz respeito ao Iraque, mas também no que respeita ao Afeganistão, Irão, Paquistão e à questão Israelo‑palestiniana. Bush trabalhou bastante para atar as mãos do seu sucessor. Mas Bush cometeu o erro de pensar que a política norte-americana no Médio Oriente está primordialmente nas mãos do governo dos EUA. Acho que isto já não corresponde à verdade. Há um turbilhão de forças nesta região que escapam às limitadas capacidades de controlo do governo dos Estados Unidos.
O nacionalismo anti-americano tem vindo a ganhar força no Iraque, de forma lenta mas segura. Os Taliban estão a recuperar o poder real no Afeganistão, ameaçando consequentemente perturbar o funcionamento da NATO como força internacional. No Paquistão, parece que os Estados Unidos estão reduzidos a rezar em silêncio para que o seu cada vez menos popular amigo, Pervez Musharraf, consiga resistir à tempestade. Os iranianos decidiram que podem desafiar os Estados Unidos sem correr grande perigo. E tanto Israel como a Autoridade Palestiniana estão numa situação cada vez mais tremida, tanto interna como internacionalmente. Condoleezza Rice anda essencialmente a ser ignorada por toda a gente. Será que o Secretário de Estado de Obama vai ser tratado de maneira diferente?
Se o turbilhão arrasar as políticas norte-americanas na região, então, mesmo que as tropas norte‑americanas sejam retiradas do Iraque, será que a Europa ocidental, a Rússia, a China e a América Latina se irão aproximar dos Estados Unidos e até apreciar o seu estilo mais amigável e mais inteligente? As tendências geopolíticas subjacentes estão contra os Estados Unidos. Obama pode fazer melhor do que Bush, mas até que ponto?
A história não é muito diferente quando se olha para o estado da economia norte-americana. Sem dúvida que uma administração democrática terá políticas fiscais, de saúde e ambientais diferentes. E é provável que a faixa de 80% da população mais pobre fique a ganhar. Mas os empregos na indústria não vão voltar, mesmo que os EUA ponham de lado os seus acordos comerciais neoliberais. Também nesta arena grassa um turbilhão, talvez mais poderoso que o turbilhão geopolítico do Médio Oriente, e os Estados Unidos não controlam o seu desenvolvimento.
Isto deixa-nos uma arena em que Obama pode ter algum espaço de manobra, aquilo a que chamo vagamente a arena cultural. A campanha dele tem vindo a mobilizar uma força popular que tem ganhado força e autonomia. É a das pessoas a dizerem: “Sim, nós podemos”. Obama pode ter ajudado a despertar essa força, mas está a transformar-se numa força auto-propulsiva que irá ter enorme impacto no que ele fizer como presidente. Num sentido lato, é uma força que o irá impelir, enquanto presidente, para a esquerda, tanto directamente como através do seu impacto nos membros do Congresso.
É muito difícil dizer exactamente até onde esta força poderia levar Obama. Mas o seu impacto pode ser semelhante ao exercido pela chamada direita religiosa sobre o partido republicano nos últimos 30 anos. Martin Luther King Jr. disse: «Eu tenho um sonho». Era o sonho de uns Estados Unidos diferentes, com prioridades diferentes e princípios muito mais igualitários. Se este período que se aproxima conduzir à concretização desse sonho, nem que seja só parcialmente, irá ter naturalmente um impacto a longo prazo sobre o tipo de estruturas económicas que os Estados Unidos defendem para si e que o mundo defende para si.
A mudança é sem dúvida possível, uma mudança potencialmente muito positiva. Depende tudo muito menos de Obama do que de todos nós. Mas Obama poderia dar-nos, apenas e só, o espaço em que o “nós” de “sim, nós podemos” o pode empurrar e aos Estados Unidos.
Se nos perguntarmos como é que Obama, que entrou na corrida há seis meses como um jovem e pouco provável vencedor, conseguiu este feito, a resposta parece bastante clara. Ele tem vindo a dar relevo ao tema da “mudança” e isto parece ter encontrado eco junto dos eleitores, incluindo muitos que vão votar pela primeira vez. Claro que a mudança é um termo ambíguo, cujo significado varia consoante aqueles que a abraçam. Mas parece que o tema da “mudança” dá resposta ao elevado índice de desconforto sentido nos EUA perante a situação global tanto no país como no mundo. As duas áreas de maior desconforto são a Guerra do Iraque e o estado da economia.
O que a maioria dos eleitores parece estar a dizer é que acham que a guerra do Iraque é um atoleiro e que invadir o país foi um erro. Quanto à economia, os eleitores parecem estar a dizer que o seu nível de vida actual tem vindo a descer e que temem que venha a descer ainda mais. No fundo, estão a rejeitar as linhas de forças argumentativas do regime de Bush, e estão a culpá-las em grande parte pelo seu desconforto. Que mudanças especificas o eleitores querem parece ser menos claro, mas que querem algo, querem.
Obama tem outro atractivo para além da questão da mudança. É uma questão de estilo. Diz que está disposto a falar com qualquer um – com presumíveis forças hostis internacionais, com presumíveis aliados internacionais, e com representantes de todas as facções políticas a nível interno. Isto contrasta com a repetida insistência de Bush de que há todo o tipo de grupos com que os EUA nunca deveriam “negociar”.
Obama tem ainda um outro atractivo estilístico. Diz repetidamente: “Sim, nós podemos!” É um mote emprestado do lendário líder dos trabalhadores rurais hispânicos, Cesar Chavez, cujo slogan era: “Sí, se puede!” Este mote é particularmente atractivo para todos aqueles que se sentiram marginalizados pelo sistema político dos EUA, e que acham que este mote lhes dá poder.
Portanto, agora que Obama parece tão perto de se tornar presidente, tem aumentado a discussão na imprensa, na Internet e em debates públicos sobre o tipo de mudanças que Obama pretende realmente efectuar. Isto parece-me ser a pergunta errada. A verdadeira questão é que tipo de mudanças Obama pode realmente efectuar, uma pergunta bem diferente.
O currículo de Obama é o de um Democrata liberal que se opôs à guerra do Iraque e cujo modo de acção foi sempre centro‑esquerda, uma vezes com ímpeto, outras com prudência. Não há dúvida que pretende imprimir um estilo diferente à Casa Branca. Agora, quão radicalmente diferente será a política que pretende implementar, já é menos evidente. Mas mesmo supondo que ele é politicamente mais radical do que aparenta, a questão mantém-se, que pode ele fazer? Os presidentes norte-americanos têm indubitavelmente poder para afectar de forma considerável as grandes linhas políticas – George Bush foi disso prova – mas também são reféns do seu cargo. Por isso mesmo, vale a pena rever quais são as opções em termos de política externa, política económica, e naquela arena mais vaga a que podemos chamar política cultural.
Na política externa, a questão mais imediata e avassaladora é o Médio Oriente – não apenas no que diz respeito ao Iraque, mas também no que respeita ao Afeganistão, Irão, Paquistão e à questão Israelo‑palestiniana. Bush trabalhou bastante para atar as mãos do seu sucessor. Mas Bush cometeu o erro de pensar que a política norte-americana no Médio Oriente está primordialmente nas mãos do governo dos EUA. Acho que isto já não corresponde à verdade. Há um turbilhão de forças nesta região que escapam às limitadas capacidades de controlo do governo dos Estados Unidos.
O nacionalismo anti-americano tem vindo a ganhar força no Iraque, de forma lenta mas segura. Os Taliban estão a recuperar o poder real no Afeganistão, ameaçando consequentemente perturbar o funcionamento da NATO como força internacional. No Paquistão, parece que os Estados Unidos estão reduzidos a rezar em silêncio para que o seu cada vez menos popular amigo, Pervez Musharraf, consiga resistir à tempestade. Os iranianos decidiram que podem desafiar os Estados Unidos sem correr grande perigo. E tanto Israel como a Autoridade Palestiniana estão numa situação cada vez mais tremida, tanto interna como internacionalmente. Condoleezza Rice anda essencialmente a ser ignorada por toda a gente. Será que o Secretário de Estado de Obama vai ser tratado de maneira diferente?
Se o turbilhão arrasar as políticas norte-americanas na região, então, mesmo que as tropas norte‑americanas sejam retiradas do Iraque, será que a Europa ocidental, a Rússia, a China e a América Latina se irão aproximar dos Estados Unidos e até apreciar o seu estilo mais amigável e mais inteligente? As tendências geopolíticas subjacentes estão contra os Estados Unidos. Obama pode fazer melhor do que Bush, mas até que ponto?
A história não é muito diferente quando se olha para o estado da economia norte-americana. Sem dúvida que uma administração democrática terá políticas fiscais, de saúde e ambientais diferentes. E é provável que a faixa de 80% da população mais pobre fique a ganhar. Mas os empregos na indústria não vão voltar, mesmo que os EUA ponham de lado os seus acordos comerciais neoliberais. Também nesta arena grassa um turbilhão, talvez mais poderoso que o turbilhão geopolítico do Médio Oriente, e os Estados Unidos não controlam o seu desenvolvimento.
Isto deixa-nos uma arena em que Obama pode ter algum espaço de manobra, aquilo a que chamo vagamente a arena cultural. A campanha dele tem vindo a mobilizar uma força popular que tem ganhado força e autonomia. É a das pessoas a dizerem: “Sim, nós podemos”. Obama pode ter ajudado a despertar essa força, mas está a transformar-se numa força auto-propulsiva que irá ter enorme impacto no que ele fizer como presidente. Num sentido lato, é uma força que o irá impelir, enquanto presidente, para a esquerda, tanto directamente como através do seu impacto nos membros do Congresso.
É muito difícil dizer exactamente até onde esta força poderia levar Obama. Mas o seu impacto pode ser semelhante ao exercido pela chamada direita religiosa sobre o partido republicano nos últimos 30 anos. Martin Luther King Jr. disse: «Eu tenho um sonho». Era o sonho de uns Estados Unidos diferentes, com prioridades diferentes e princípios muito mais igualitários. Se este período que se aproxima conduzir à concretização desse sonho, nem que seja só parcialmente, irá ter naturalmente um impacto a longo prazo sobre o tipo de estruturas económicas que os Estados Unidos defendem para si e que o mundo defende para si.
A mudança é sem dúvida possível, uma mudança potencialmente muito positiva. Depende tudo muito menos de Obama do que de todos nós. Mas Obama poderia dar-nos, apenas e só, o espaço em que o “nós” de “sim, nós podemos” o pode empurrar e aos Estados Unidos.
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