Há cerca de 32 anos a Constituição da República Portuguesa determinava que incumbia, prioritariamente, ao Estado, «orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões», bem como «eliminar progressivamente as diferenças sociais entre a cidade e o campo». Tais objectivos sustentavam-se na existência de um Plano que tinha um «carácter imperativo para o sector estatal» sendo, para outras actividades de interesse público, obrigatória a planificação por via de contratos‑programa.
Passados 32 anos, através de sucessivas e retrógradas revisões constitucionais, a incumbência do Estado foi sendo despudoradamente reduzida e, mais que isso, a norma planificadora e o seu carácter imperativo foram completamente riscados do texto constitucional, para dar lugar, pela prática governamental, à omnipresença da economia de mercado.
O “abaixo a planificação” e o “viva o mercado” foi o hurra! utilizado, em uníssono, pelo PS, PSD e CDS-PP no decurso do processo contra-revolucionário, cujos efeitos são aqueles com que, à vista desarmada, nos confrontamos hoje, no dia-a-dia.
Muitos desses efeitos consubstanciam-se no processo de desertificação do interior do País, na litoralização dos investimentos, na macrocefalia das regiões metropolitanas de Lisboa e Porto e nas assimetrias sociais daí decorrentes, tudo isto em rápida aceleração pelas medidas já tomadas e já anunciadas pelo governo de José Sócrates.
Falemos, então, por agora e apenas, de um desses aspectos: o problema da desertificação do interior do País. Para tal objectivo socorremo-nos dos dados dos Censos de 2001 e da população residente em 2006, estimada pelo INE, constante nos Anuários Estatísticos das Regiões.
A que conclusões chegámos? Às conclusões de sempre, ou seja, estamos perante uma “secagem demográfica”, transversal à maior parte do território, com especial destaque para o Alentejo, Beira Interior e Trás-os‑Montes, sem esquecer outras parcelas de que se salientam o Nordeste dos distritos de Leiria e Aveiro, uma parte importante do distrito de Coimbra (incluindo o próprio concelho), a zona Oriental do distrito de Braga, a parte Norte do distrito de Viana do Castelo e, também, a zona serrana do Algarve.
As grandes linhas da evolução demográfica entre 2001 e 2006 expressam-se como a seguir se descreve.
A DESERTIFICAÇÃO DO INTERIOR
Para se visualizar, em termos espaciais, a dimensão da redução de população aconselhamos a fazer uma ligação entre Castro Marim, no Algarve, até ao concelho de Bragança, em Trás-os-Montes. Pois bem, é possível fazer esse percurso passando, exclusivamente, por concelhos afectados pela redução de população, salvo num pequeno território, a Sul de Évora, formado por Viana do Alentejo, Portel, Reguengos de Monsaraz e Mourão. Mas se o ponto de referência passar a ser Monchique, passando por Alcácer do Sal e, daí, até Bragança, então, tal percurso será, exclusivamente, feito em concelhos que viram a sua população diminuir entre 2001 e 2006. Todo este espaço (mais de 500 Km em linha recta) é o espaço predilecto da desertificação, expresso no facto de 81% dos concelhos do Alentejo, Beira Interior e Trás-os-Montes terem visto, nos últimos cinco anos, uma redução de população que se cifra entre um valor médio de 5,9% relativo ao distrito de Portalegre, até ao valor médio de 0,03% referente ao distrito de Viseu.
Se a estes oito distritos juntarmos o de Coimbra, estaremos a falar de um saldo negativo na ordem dos 47.000 residentes, valor que poderia ser maior não fosse algum efeito positivo na demografia por via da imigração. Mas, atenção: as percentagens atrás referidas referem-se às médias distritais. Se as desagregarmos por concelhos, verificaremos que há quebras superiores a 10%, como são os casos de Alcoutim, Gavião, Fronteira, Almeida, Crato, Mértola, Vila Velha de Ródão, Penamacor, Monchique, Oleiros, Marvão e Alter do Chão.
O distrito de Portalegre aparece aqui extremamente penalizado com a redução de população, o que confere a este distrito, em termos territoriais, a detenção da maior mancha territorial de concelhos com menos de 5000 habitantes, situação só comparável a uma parte do Pinhal Interior. Mesmo em distritos mais próximos do litoral, como são os casos de Coimbra, Leiria e Santarém, há concelhos com perdas elevadas, como sejam, a título de exemplo, os casos de Pampilhosa da Serra, Mação e Castanheira de Pera.
Tais perdas recentes a juntar às das últimas décadas fazem com que a densidade populacional no interior do País atinja os preocupantes 20 habitantes por km2 na Beira Interior Sul, valor que desce aos 19 habitantes por km2 no Alto Alentejo. Se os 19 e os 20 habitantes constituíam, em 2006, a densidade populacional em certas regiões do País, o que não será após a governação do PS como resultado do encerramento de escolas, centros de saúde, maternidades, esquadras da PSP e da GNR, tribunais, postos dos CTT? Se a tudo isto juntarmos as consequências do abandono das terras, do encerramento de industrias tradicionais e da deslocalização do parco tecido produtivo, que futuro se augura para as respectivas populações onde, comparativamente à média nacional, se praticam dos mais baixos salários e das mais baixas pensões de reforma?
Em contrapartida assiste-se a uma elevada densificação preocupantemente expressa nos concelhos de Odivelas e Amadora com, respectivamente, 5652 e 7338 habitantes por km2, onde, a título de exemplo, muitíssimos jovens casais têm de suportar vultuosos encargos financeiros pela colocação dos seus filhos em creches privadas, dada a omissão do Estado nesta importante área social.
O efeito conjugado destas duas situações permite concluir que, a pretexto da desertificação, se encerram os serviços públicos, mas o contrário, o aumento populacional, já não serve de pretexto para o desenvolvimento das funções sociais do Estado.
1 – A DESERTIFICAÇÃO DOS CONCELHOS DE LISBOA E DO PORTO
A par da desertificação do interior há a registar o esvaziamento das cidades – em especial dos seus cascos históricos – de Lisboa e Porto, com perdas, respectivamente, de 54.906 e 35.341 residentes, o que as coloca no topo da descida de população, quer em termos absolutos, quer em termos relativos, valores muitíssimo superiores aos verificados nos concelhos do interior do País. Com efeito, o Porto detém a mais alta percentagem de redução de população entre 2001 e 2006, qualquer coisa como 13,4%, cabendo a Lisboa a percentagem de 9,7%. A cidade do Porto é, pois, um caso a ter em consideração na medida em que, se os próximos cinco anos forem idênticos aos últimos cinco anos, tudo indica que a sua população descerá abaixo da fasquia dos 200.000 habitantes, valores próximos daquilo que será a população dos concelhos de Cascais, Loures e, eventualmente, do Seixal.
2 – O CONTRAPONTO DA DESERTIFICAÇÃO DE LISBOA E PORTO
Ao mesmo tempo que se assiste ao progressivo e constante esvaziamento populacional de Lisboa e Porto assiste‑se, reflexamente, numa espécie de jogo de verso e reverso, ao vertiginoso aumento da população dos concelhos limítrofes, designadamente em redor de Lisboa, num arco que começa em Sintra, vai até Alenquer, passa por Vila Franca de Xira, desce por Benavente e Palmela e termina em Sesimbra e Seixal. Estamos a falar da região que mais tem crescido, sobretudo em Sesimbra, Alcochete e Mafra, com percentagens elevadíssimas, na ordem, respectivamente, de 28%, 24% e 22%, isto num reduzido espaço de cinco anos. Em termos absolutos, os maiores aumentos referem-se a Sintra e ao Seixal, com mais 64.721 e 20.355 habitantes, respectivamente. Um outro aspecto a ter em conta reside no facto de o aumento populacional tender a distanciar‑se cada vez mais de Lisboa, em duas direcções: uma, a Norte, englobando concelhos como Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço e o já referido concelho de Alenquer; outra, a Sul, de que Sesimbra é o caso mais emblemático.
Esta dicotomia, a redução de habitantes em Lisboa e o aumento da população nos concelhos limítrofes, constitui a prova provada da irracionalidade de um sistema que obriga milhares de pessoas a abandonar os seus lares, obrigando‑os, depois, a regressar para o exercício de uma actividade laboral. É esta “expulsão” e é este “regresso” que impõem os movimentos pendulares de casa-trabalho-casa, com tudo o que isso significa de prejuízo, em todos os planos, designadamente no âmbito financeiro e na qualidade de vida.
Para fazer face a este movimento pendular, os nossos impostos, em vez de potenciarem o aparelho produtivo, foram canalizados para se construírem as circulares, as vias rápidas, os itinerários principais e complementares, a CRIL, a CREL, as auto-estradas, os viadutos, os aquedutos, as rotundas, as radiais, as passagens superiores e inferiores, sem que nenhuma delas tenha, a médio e a longo prazo, resolvido, de uma forma definitiva, as filas e a redução do tempo de transporte.
Tais investimentos, sem consequências eficazes em termos geracionais, faz lembrar a história do burro e da cenoura, pela qual o simpático asno, por mais que corra, nunca conseguirá alcançar o almejado, ou seja, comer a cenoura, porque, estando a mesma na ponta de um pau amarrado à cabeça do burro, a cada passo deste corresponde, também, um passo adiante da cenoura.
Para fazer face, tornamos a insistir, a este movimento pendular investiu-se milhões e milhões de euros em material circulante, em infra‑estruturas, estimulou-se o uso do transporte privado, transformou-se, em todo o país, desde 1956, segundo um artigo publicado em 23/2, no Expresso, assinado por Teodósio Salgueiro, 1,77 milhões de hectares de terrenos agrícolas em espaços urbanizáveis, construíram-se casas novas para muitas das quais não há compradores, ao mesmo tempo que estão ao abandono dezenas de milhar de habitações antigas à espera da derrocada final para, em seu lugar, haver uma maior área edificada, densificando‑se o espaço e, com isso, aumentar exponencialmente os lucros. Eis, por um lado, em todo o seu esplendor, para bem do capital, o endeusamento do mercado e, por outro, para mal do país, as consequências do ódio à planificação, a qual, a não ter sido riscada da Constituição e a ter sido concretizada, teria contribuído para a existência de um outro País: mais equilibrado, mais coeso, mais justo.
3 – AS REGIÕES COM MAIOR ATRACÇÃO POPULACIONAL
No conjunto dos 18 distritos do continente assume especial relevância o que se passa nos distritos de Faro e Setúbal, aqueles que entre 2001 e 2006 mais cresceram, percentualmente, em termos de população residente: cerca de 6,7% e 7,3%, respectivamente. Se neste último distrito desagregarmos a parte peninsular da parte do território inserido no Litoral Alentejano, aquela percentagem ainda será maior. É preciso, pois, estarmos atentos ao distrito de Setúbal, cuja população tenderá a aumentar, devido aos previstos investimentos no novo aeroporto, no TGV, nos megalómanos núcleos turísticos a implementar entre Tróia e Sines e na instalação de importantes centros logísticos, contribuindo para que o distrito de Setúbal passe, no País, a ocupar o 3.º lugar em termos de habitantes. Tal aumento acarreta, obviamente, consequências no plano dos serviços públicos, designadamente nas escolas, creches, centros de saúde, hospitais, lares, centros de dia, nas forças de segurança e tribunais. O caso do prometido hospital a localizar no concelho do Seixal é paradigmático de como os governos do bloco central não compaginam a evolução do número de pessoas com as adequadas infra‑estruturas sociais, ou seja, o Poder que contribui para a desertificação do interior é o mesmo que não compatibiliza as funções sociais do Estado com o crescimento populacional dos concelhos limítrofes de Lisboa e Porto. Para se perceber a omissão do Estado naquilo que devia ser uma preocupação de adequar a natureza e a qualidade das instituições públicas à realidade demográfica, nada melhor do que salientar o caso do Hospital Garcia de Orta, em Almada. O âmbito deste hospital abrangia, em 1991, os 295.941 habitantes dos concelhos de Almada, Seixal e Sesimbra. Em 2006 essa população cifrou-se em 384.749, ou seja, houve neste lapso de tempo um crescimento de residentes na ordem dos 30%. As estruturas hospitalares também cresceram 30%?
Passados 32 anos, através de sucessivas e retrógradas revisões constitucionais, a incumbência do Estado foi sendo despudoradamente reduzida e, mais que isso, a norma planificadora e o seu carácter imperativo foram completamente riscados do texto constitucional, para dar lugar, pela prática governamental, à omnipresença da economia de mercado.
O “abaixo a planificação” e o “viva o mercado” foi o hurra! utilizado, em uníssono, pelo PS, PSD e CDS-PP no decurso do processo contra-revolucionário, cujos efeitos são aqueles com que, à vista desarmada, nos confrontamos hoje, no dia-a-dia.
Muitos desses efeitos consubstanciam-se no processo de desertificação do interior do País, na litoralização dos investimentos, na macrocefalia das regiões metropolitanas de Lisboa e Porto e nas assimetrias sociais daí decorrentes, tudo isto em rápida aceleração pelas medidas já tomadas e já anunciadas pelo governo de José Sócrates.
Falemos, então, por agora e apenas, de um desses aspectos: o problema da desertificação do interior do País. Para tal objectivo socorremo-nos dos dados dos Censos de 2001 e da população residente em 2006, estimada pelo INE, constante nos Anuários Estatísticos das Regiões.
A que conclusões chegámos? Às conclusões de sempre, ou seja, estamos perante uma “secagem demográfica”, transversal à maior parte do território, com especial destaque para o Alentejo, Beira Interior e Trás-os‑Montes, sem esquecer outras parcelas de que se salientam o Nordeste dos distritos de Leiria e Aveiro, uma parte importante do distrito de Coimbra (incluindo o próprio concelho), a zona Oriental do distrito de Braga, a parte Norte do distrito de Viana do Castelo e, também, a zona serrana do Algarve.
As grandes linhas da evolução demográfica entre 2001 e 2006 expressam-se como a seguir se descreve.
A DESERTIFICAÇÃO DO INTERIOR
Para se visualizar, em termos espaciais, a dimensão da redução de população aconselhamos a fazer uma ligação entre Castro Marim, no Algarve, até ao concelho de Bragança, em Trás-os-Montes. Pois bem, é possível fazer esse percurso passando, exclusivamente, por concelhos afectados pela redução de população, salvo num pequeno território, a Sul de Évora, formado por Viana do Alentejo, Portel, Reguengos de Monsaraz e Mourão. Mas se o ponto de referência passar a ser Monchique, passando por Alcácer do Sal e, daí, até Bragança, então, tal percurso será, exclusivamente, feito em concelhos que viram a sua população diminuir entre 2001 e 2006. Todo este espaço (mais de 500 Km em linha recta) é o espaço predilecto da desertificação, expresso no facto de 81% dos concelhos do Alentejo, Beira Interior e Trás-os-Montes terem visto, nos últimos cinco anos, uma redução de população que se cifra entre um valor médio de 5,9% relativo ao distrito de Portalegre, até ao valor médio de 0,03% referente ao distrito de Viseu.
Se a estes oito distritos juntarmos o de Coimbra, estaremos a falar de um saldo negativo na ordem dos 47.000 residentes, valor que poderia ser maior não fosse algum efeito positivo na demografia por via da imigração. Mas, atenção: as percentagens atrás referidas referem-se às médias distritais. Se as desagregarmos por concelhos, verificaremos que há quebras superiores a 10%, como são os casos de Alcoutim, Gavião, Fronteira, Almeida, Crato, Mértola, Vila Velha de Ródão, Penamacor, Monchique, Oleiros, Marvão e Alter do Chão.
O distrito de Portalegre aparece aqui extremamente penalizado com a redução de população, o que confere a este distrito, em termos territoriais, a detenção da maior mancha territorial de concelhos com menos de 5000 habitantes, situação só comparável a uma parte do Pinhal Interior. Mesmo em distritos mais próximos do litoral, como são os casos de Coimbra, Leiria e Santarém, há concelhos com perdas elevadas, como sejam, a título de exemplo, os casos de Pampilhosa da Serra, Mação e Castanheira de Pera.
Tais perdas recentes a juntar às das últimas décadas fazem com que a densidade populacional no interior do País atinja os preocupantes 20 habitantes por km2 na Beira Interior Sul, valor que desce aos 19 habitantes por km2 no Alto Alentejo. Se os 19 e os 20 habitantes constituíam, em 2006, a densidade populacional em certas regiões do País, o que não será após a governação do PS como resultado do encerramento de escolas, centros de saúde, maternidades, esquadras da PSP e da GNR, tribunais, postos dos CTT? Se a tudo isto juntarmos as consequências do abandono das terras, do encerramento de industrias tradicionais e da deslocalização do parco tecido produtivo, que futuro se augura para as respectivas populações onde, comparativamente à média nacional, se praticam dos mais baixos salários e das mais baixas pensões de reforma?
Em contrapartida assiste-se a uma elevada densificação preocupantemente expressa nos concelhos de Odivelas e Amadora com, respectivamente, 5652 e 7338 habitantes por km2, onde, a título de exemplo, muitíssimos jovens casais têm de suportar vultuosos encargos financeiros pela colocação dos seus filhos em creches privadas, dada a omissão do Estado nesta importante área social.
O efeito conjugado destas duas situações permite concluir que, a pretexto da desertificação, se encerram os serviços públicos, mas o contrário, o aumento populacional, já não serve de pretexto para o desenvolvimento das funções sociais do Estado.
1 – A DESERTIFICAÇÃO DOS CONCELHOS DE LISBOA E DO PORTO
A par da desertificação do interior há a registar o esvaziamento das cidades – em especial dos seus cascos históricos – de Lisboa e Porto, com perdas, respectivamente, de 54.906 e 35.341 residentes, o que as coloca no topo da descida de população, quer em termos absolutos, quer em termos relativos, valores muitíssimo superiores aos verificados nos concelhos do interior do País. Com efeito, o Porto detém a mais alta percentagem de redução de população entre 2001 e 2006, qualquer coisa como 13,4%, cabendo a Lisboa a percentagem de 9,7%. A cidade do Porto é, pois, um caso a ter em consideração na medida em que, se os próximos cinco anos forem idênticos aos últimos cinco anos, tudo indica que a sua população descerá abaixo da fasquia dos 200.000 habitantes, valores próximos daquilo que será a população dos concelhos de Cascais, Loures e, eventualmente, do Seixal.
2 – O CONTRAPONTO DA DESERTIFICAÇÃO DE LISBOA E PORTO
Ao mesmo tempo que se assiste ao progressivo e constante esvaziamento populacional de Lisboa e Porto assiste‑se, reflexamente, numa espécie de jogo de verso e reverso, ao vertiginoso aumento da população dos concelhos limítrofes, designadamente em redor de Lisboa, num arco que começa em Sintra, vai até Alenquer, passa por Vila Franca de Xira, desce por Benavente e Palmela e termina em Sesimbra e Seixal. Estamos a falar da região que mais tem crescido, sobretudo em Sesimbra, Alcochete e Mafra, com percentagens elevadíssimas, na ordem, respectivamente, de 28%, 24% e 22%, isto num reduzido espaço de cinco anos. Em termos absolutos, os maiores aumentos referem-se a Sintra e ao Seixal, com mais 64.721 e 20.355 habitantes, respectivamente. Um outro aspecto a ter em conta reside no facto de o aumento populacional tender a distanciar‑se cada vez mais de Lisboa, em duas direcções: uma, a Norte, englobando concelhos como Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço e o já referido concelho de Alenquer; outra, a Sul, de que Sesimbra é o caso mais emblemático.
Esta dicotomia, a redução de habitantes em Lisboa e o aumento da população nos concelhos limítrofes, constitui a prova provada da irracionalidade de um sistema que obriga milhares de pessoas a abandonar os seus lares, obrigando‑os, depois, a regressar para o exercício de uma actividade laboral. É esta “expulsão” e é este “regresso” que impõem os movimentos pendulares de casa-trabalho-casa, com tudo o que isso significa de prejuízo, em todos os planos, designadamente no âmbito financeiro e na qualidade de vida.
Para fazer face a este movimento pendular, os nossos impostos, em vez de potenciarem o aparelho produtivo, foram canalizados para se construírem as circulares, as vias rápidas, os itinerários principais e complementares, a CRIL, a CREL, as auto-estradas, os viadutos, os aquedutos, as rotundas, as radiais, as passagens superiores e inferiores, sem que nenhuma delas tenha, a médio e a longo prazo, resolvido, de uma forma definitiva, as filas e a redução do tempo de transporte.
Tais investimentos, sem consequências eficazes em termos geracionais, faz lembrar a história do burro e da cenoura, pela qual o simpático asno, por mais que corra, nunca conseguirá alcançar o almejado, ou seja, comer a cenoura, porque, estando a mesma na ponta de um pau amarrado à cabeça do burro, a cada passo deste corresponde, também, um passo adiante da cenoura.
Para fazer face, tornamos a insistir, a este movimento pendular investiu-se milhões e milhões de euros em material circulante, em infra‑estruturas, estimulou-se o uso do transporte privado, transformou-se, em todo o país, desde 1956, segundo um artigo publicado em 23/2, no Expresso, assinado por Teodósio Salgueiro, 1,77 milhões de hectares de terrenos agrícolas em espaços urbanizáveis, construíram-se casas novas para muitas das quais não há compradores, ao mesmo tempo que estão ao abandono dezenas de milhar de habitações antigas à espera da derrocada final para, em seu lugar, haver uma maior área edificada, densificando‑se o espaço e, com isso, aumentar exponencialmente os lucros. Eis, por um lado, em todo o seu esplendor, para bem do capital, o endeusamento do mercado e, por outro, para mal do país, as consequências do ódio à planificação, a qual, a não ter sido riscada da Constituição e a ter sido concretizada, teria contribuído para a existência de um outro País: mais equilibrado, mais coeso, mais justo.
3 – AS REGIÕES COM MAIOR ATRACÇÃO POPULACIONAL
No conjunto dos 18 distritos do continente assume especial relevância o que se passa nos distritos de Faro e Setúbal, aqueles que entre 2001 e 2006 mais cresceram, percentualmente, em termos de população residente: cerca de 6,7% e 7,3%, respectivamente. Se neste último distrito desagregarmos a parte peninsular da parte do território inserido no Litoral Alentejano, aquela percentagem ainda será maior. É preciso, pois, estarmos atentos ao distrito de Setúbal, cuja população tenderá a aumentar, devido aos previstos investimentos no novo aeroporto, no TGV, nos megalómanos núcleos turísticos a implementar entre Tróia e Sines e na instalação de importantes centros logísticos, contribuindo para que o distrito de Setúbal passe, no País, a ocupar o 3.º lugar em termos de habitantes. Tal aumento acarreta, obviamente, consequências no plano dos serviços públicos, designadamente nas escolas, creches, centros de saúde, hospitais, lares, centros de dia, nas forças de segurança e tribunais. O caso do prometido hospital a localizar no concelho do Seixal é paradigmático de como os governos do bloco central não compaginam a evolução do número de pessoas com as adequadas infra‑estruturas sociais, ou seja, o Poder que contribui para a desertificação do interior é o mesmo que não compatibiliza as funções sociais do Estado com o crescimento populacional dos concelhos limítrofes de Lisboa e Porto. Para se perceber a omissão do Estado naquilo que devia ser uma preocupação de adequar a natureza e a qualidade das instituições públicas à realidade demográfica, nada melhor do que salientar o caso do Hospital Garcia de Orta, em Almada. O âmbito deste hospital abrangia, em 1991, os 295.941 habitantes dos concelhos de Almada, Seixal e Sesimbra. Em 2006 essa população cifrou-se em 384.749, ou seja, houve neste lapso de tempo um crescimento de residentes na ordem dos 30%. As estruturas hospitalares também cresceram 30%?
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