quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Argentina: Um genocida que consagra sacramentos

Terça-feira, 09 de outubro de 2007, o Tribunal Oral Criminal nº 1, de La Plata, capital da província de Buenos Aires, Argentina, ditou uma sentença histórica: condenou, em julgamento oral e público iniciado no dia 5 de julho do mesmo ano, à reclusão perpétua, pela primeira vez na História Argentina, a um membro da Igreja Católica por sua participação nos delitos de lesa-humanidade cometidos no marco do genocídio que teve lugar durante a última ditadura militar do país (1976-1983). Trata-se do ex-capelão da Polícia Bonaerense, Chistian Federico Von Wernich, imputado pelos juízes Carlos Rozanski, Norberto Lorenzo e Horacio Isaurralde por todos os delitos pelos quais foi julgado: partícipe necessário da privação ilegal da liberdade agravada de 34 pessoas, co-autor da aplicação de tormentos agravados de 31 e co-autor da privação da liberdade agravada e do homicídio triplamente qualificado de 7 pessoas. A sentença foi emitida pelos mesmos juízes que condenaram o Ex-Diretor de Investigações da Polícia Bonaerense, Miguel Etchecolatz, à reclusão perpétua. Naquela ocasião, há pouco mais de um ano, a principal testemunha do julgamento, Jorge Julio López, foi sequestrado poucas horas após deixar o mesmo recinto em que o julgamento do ex-capelão foi realizado, encontrando-se desaparecido até o momento. Chistian Federico Von Wernich foi, durante os anos do chamado "Processo de Reorganização Nacional", o padre encarregado da assistência espiritual aos membros da Polícia Bonaerense, atuando nos centros clandestinos de detenção de Puesto Vasco, Coti Martínez e Pozo de Quilmes. Durante o julgamento, algumas testemunhas acusaram-no de incentivar os detidos a dar informações a seus torturadores ?por Deus e pela pátria? e como forma de melhorar suas condições, conforme informações de Julio César e Carlos Enrique Miralles, sequestrados em 1977 por forças repressivas da ditadura. Luis Velasco, uma das aproximadamente 120 testemunhas apresentadas pela fiscalia, contou em suas declarações que, após um sermão que o padre deu aos sequestrados da Delegacia Quinta para que se "arrependessem", Elena Baratti, que se encontrava entre os mesmos, perguntou que culpas deveria pagar sua filha, que tinha acabado de nascer em cativeiro; ao que Von Wernich respondeu: "Os filhos pagam as culpas dos pais". Von Wernich negou as acusações e defendeu que, apesar de ser verdade que visitava os centros de detenção, não viu que nenhuma violação dos direitos humanos fosse cometida ali. No entanto, Von Wernich é mencionado em várias testemunhas compiladas pelo informe Nunca Mais da Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas CONADEP, que o incriminam. Em sua alocução diante do tribunal, antes de conhecer sua condenação, o ex-capelão e mão direita do general Ramón Camps abundou em referências bílblicas, acusou sobre falsos testemunhos contra ele e se ocupou de citar as palavras proferidas pelo Arcebispo de Buenos Aires no domingo anterior: "[...] O demônio é uma testemunha falsa porque está na mentira, não está na verdade. Estão empregnados de malícia, concebendo a maldade e dando à luz a mentira, estes corações são os que temos que tratar de erradicar no homem. O sacramento da confissão ou da reconciliação dão a oportunidade ao homem de fazê-lo, e a nós, os sacerdotes da igreja, o poder de administrá-lo e comparti-lo". Assegurou, ademais, que "em 2000 anos de História, nenhum sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana violou os sacramentos"; instando a ganhar a "paz com reconciliação na verdade". A decisão judicial foi festejada pelas organizações de Direitos Humanos presentes dentro e fora do tribunal que, mesmo com a severa chuva que caía, se aglomeraram aos gritos, lágrimas e cantos para comemorar mais um episódio importante para a reconstrução da Justiça e dos Direitos Humanos em um país cujas citadas instituições foram arrasadas em um processo ditatorial intenso e genocida. Em contraste com a grande comoção social que a sentença gerou em todo o país, sendo televisada em rede nacional e chegando às manchetes dos principais jornais nacionais, a Igreja Católica se mantém reticente diante da magnitude da condenação. Von Wernich não será sancionado pela mesma e, no momento, poderá continuar a ejercer o ministério sacerdotal que o habilita a celebrar a eucaristia e o resto dos sacramentos. Esse é o desprendimento do comunicado difundido ontem por Martín de Elizalde, bispo da localidade de 9 de Julio, um dos principais focos do reacionarismo católico do país (juntamente com La Plata, local do julgamento). Nesse texto, o superior eclesiástico do padre indica que "oportunamente se deverá decidir, conforme às disposições do Direito Canônico, acerca da situação de Christian Von Wernich". No mesmo documento o bispo pede perdão em nome da Igreja.

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