sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Dieguito contra Bush



– A luta de um menino doente de onze meses para enfrentar o bloqueio dos EUA contra Cuba –


Os relatórios dos especialistas cubanos não deixam de detalhar como é prejudicial o bloqueio que os Estados Unidos impôs à ilha, neles precisam cifras económicas, produtos industriais vetados, viagens e vistos proibidos em ambos os sentidos, medicamentos e equipas sanitárias proscritos, actividades culturais e académicas impedidas. Mas nada pode ser mais descritivo do que pôr nome e cara ao bloqueio. E esse nome é Diego, Dieguito como todos lhe chamam no Hospital Cardiocentro Pediátrico William Soler de Havana, porque tem tão só onze meses.

Dieguito nasceu com uma cardiopatia congénita interventricular no dia 8 de Novembro de 2006 na localidade de Matanzas. Foi operado no dia 15 de Março, mas a situação complicou-se com uma endocardite micótica, uma infecção por fungos no coração.

A sua infecção requer um tratamento muito especializado porque se trata de gérmens muito específicos, para um paciente de curta idade com uma estatística de baixa incidência. São necessários antibióticos do tipo dos antifúngicos que, além de serem muito caros, pertencem a patentes estadunidenses que não podem vender para Cuba devido à legislação do bloqueio. «O mais grave é que de cada vez que é necessário um destes medicamentos, é preciso correr porque não se conseguem em menos de quatro semanas», afirma o doutor Carballés, vice­‑director do hospital. O processo é complexo porque tem de ser procurado um terceiro país que o proporcione, em muitas casos quase de forma clandestina: «se alguma instituição proporciona o medicamento a Cuba, arrisca­‑se a que depois os Estados Unidos não lhe vendam mais o produto», afirma o clínico.

No caso de Dieguito, segundo explicam os médicos que o trataram, «o mais indicado era associar dois antimicóticos que reforçam a terapia, o Anfotericin B e a 5Flucitocina, ambos bloqueados para Cuba». Embora o primeiro se tenha podido proporcionar desde o primeiro momento, não sem dificuldades, o processo para conseguir o segundo foi complicado. Dieguito foi de novo internado no dia 18 de Setembro e outra vez operado no dia 25 devido a que o fungo, que não pôde ser tratado com o segundo medicamento necessário, tinha crescido no interior do miocárdio e devia ser dissecado cirurgicamente ante o perigo de que tivesse desprendimentos de tecido que provocassem alguma trombose cerebral.

Depois de vinte e cinco dias entubado teve de lhe ser feita também uma traqueotomia, que mantém ainda, sete meses depois.

O medicamento continuava sem chegar, pelo que a sua infecção não cedia e foi preciso operar de novo o seu coração no passado dia 25 de Setembro. O antimicótico chegou há apenas doze dias e hoje Dieguito vai de alta médica para casa.

Os médicos são muito cautos em aventurar qual teria sido a evolução com os dois medicamentos, isto é, sem o bloqueio que impedia consegui­‑los, mas consideram «que provavelmente se teria evitado a segunda operação, tivéssemos tido outra arma terapêutica; ao não poder associar os dois medicamentos, ficamos a metade do nosso objectivo».

Também não podem precisar o encarecimento que implicou para o hospital ter que recorrer a vias irregulares de fornecimento, mas é fácil imaginar que o custo deve ter sido incrementado de forma significativa ao recorrer­‑se a países e administrações intermediárias, ainda para mais tratando­‑se de um medicamento que em condições normais já custava 190 dólares o frasco.

A sua mãe, Letier Pérez, explica-nos com admirável resignação e paciência o desenvolvimento da doença e as complicações que os profissionais do hospital pediátrico tiveram de enfrentar. Além disso, detalha-nos, em companhia dos médicos, outros problemas que tiveram de superar devido ao bloqueio. «A cânula da traqueotomia também não é a ideal, é de latex e teria sido melhor a de silicone; isso provocou­‑lhe uma lesão, um granuloma, que precisou de tratamento. Isso ter‑se­‑ia evitado se Cuba tivesse podido adquirir as cânulas infantis de silicone para traqueotomizados», afirma Letier. Por outro lado, acrescenta a mãe, «as doses dos medicamentos devem ser calculadas a partir da posologia de adultos, é o caso da cefalosporina, o que impede conseguir excipientes e sabores mais acertados para o menino que não provocassem a sua rejeição ou náuseas que dificultaram a sua administração». Algo similar sucede com outros medicamentos, como analgésicos do tipo de ibuprofeno, que devem calcular­‑se a partir de posologias para adultos.

As sondas de aspiração, de uso frequente para a sua traqueotomia, são difíceis de importar para Cuba, devendo então reesterilizá­‑las em vez de serem de utilização única tal como está prescrito. Tudo isso influi no incremento de infecções e complicações como o granuloma. «Estou convencido de que sem esses inconvenientes Dieguito já não teria a tranqueotomia», afirma Letier.

Além disso, sublinha a mãe, «o bloqueio impede o fornecimento de alguns minerais requeridos por este tipo de doente, por exemplo, o selénio».

O doutor Carballés esclareceu­‑nos que «o problema é que de muitos medicamentos não podemos ter estoque porque o seu preço é muito alto, o seu uso muito esporádico e acabariam por se estragar; temos de os procurar quando surge um paciente que o necessita, e é então que comprovamos na sua forma mais aguda o bloqueio».

Letier Pérez está consciente da luta da equipa profissional dos médicos que atenderam Dieguito: a doutora Marcano, o doutor Lamber, a doutora Raquel e toda a equipa de terapia intensiva. Ela não quer desaproveitar a ocasião para expressar o seu agradecimento. Hoje volta a Matanzas com o seu filho, que, embora ainda deva manter a traqueotomia, começa a sorrir. Letier não ingressará de novo no trabalho porque deve cuidar do seu filho; pelos seus comentários podemos inteirar­‑nos de que, em Cuba, as mães têm uma licença paga de um ano quando têm uma criança e do tempo todo que seja necessário quando este enferme para poder estar com os seus filhos.

Quando nos despedimos no quarto do hospital, Dieguito, nos braços do seu pai, Saúl Riera, sorri­‑nos; conseguiu superar uma grave doença e, o que é mais triste, uma irracional medida implantada pelo governo dos Estados Unidos que parecia ter como dramático objectivo atentar contra a vida de Dieguito. O profissionalismo da equipa sanitária, a firmeza de uma mãe, a vontade de viver deste menino de onze meses e a colaboração de toda uma Administração que não deixou de procurar uma solução, permitiram que a batalha de Dieguito contra o bloqueio e o governo que o impõe tenha sido ganha.

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