terça-feira, 20 de novembro de 2007

Pobreza: um novo recorde do Governo


Sócrates deu os parabéns aos portugueses pelos resultados obtidos: 3% de défice orçamental. Dias antes, tínhamos sabido que Portugal tinha 2 milhões de cidadãos a viver na pobreza. Um país decente perceberia que a pobreza é uma violação dos direitos humanos e que o défice prioritário com que nos confrontamos é esse défice social que atira as pessoas para o desemprego, para a miséria e para crescentes dificuldades quotidianas. Mas é evidente que essa é uma questão secundária para o poder. Sócrates e Cavaco fazem declarações condoídas sobre a “exclusão”, mas as suas preocupações neste domínio não exprimem verdadeiros objectivos de justiça, mas sim de controlo social.

O Porto é, nestas questões, um distrito particularmente massacrado pelas políticas liberais. Indicadores como o desemprego, a pobreza ou a incidência do Rendimento Social de Inserção dão-nos um retrato negro: o Porto é recordista da desigualdade. O processo do Livro Negro da Pobreza, dinamizado pelo Bloco, tem-nos já mostrado algumas coisas importantes sobre este fenómeno. Em primeiro lugar, a pobreza atinge mesmo os que têm trabalho: salários baixos, precariedade, endividamento e dificuldades de habitação contribuem para que se torne muito complicado sobreviver num país onde as redes de protecção social são demasiado frágeis. Além disso, o aumento do desemprego é um factor essencial para se perceber o agravamento do fenómeno da pobreza. A maior parte das instituições visitadas pelo Bloco no Porto referem precisamente este aspecto, que deriva directamente de situações de desemprego: cresceu muito a quantidade de pessoas que a elas recorrem, nomeadamente para buscar comida.

Dir-nos-ão que a luta contra a pobreza é uma questão consensual, que todos estão muito preocupados e que este não é um assunto que divida os partidos. Faz parte do senso-comum invocar a luta contra a “exclusão” e mostrar­‑se sensível aos problemas sociais. Mas entre a retórica com que os responsáveis do poder se mascaram e a realidade crua que é consequência das políticas que defendem, vai um fosso imenso. A destruição dos serviços públicos, o aumento do desemprego, a flexibilização das relações laborais e a fragilização da protecção social, a disseminação de uma responsabilização individual pelas desigualdades em que assenta o capitalismo fazem parte da ideologia e da prática do Governo Sócrates. É por isso que ele agrava a pobreza. O mesmo é válido para as lágrimas caridosas de Cavaco Silva. A retórica contra a exclusão, como se ela constituísse uma “nova questão” social que traça as fronteiras entre os que estão “dentro” e os que estão “fora”, tem substituído a discussão da mesma questão a partir de uma outra problemática: a dos “velhos problemas sociais”, da desigualdade e da exploração. Na verdade, eles abordam a pobreza desligando­‑a da problemática do acesso aos direitos sociais e de políticas que ajam sobre as estruturas de distribuição. Em vez disso, a questão é posta em termos de mera correcção dos efeitos das desigualdades e alicerça-se numa retórica economicista que abusa de noções de projecto, autonomia, responsabilidade, entre outras, para diluir as solidariedades sociais e afirmar as virtualidades de um novo individualismo ou lembrar a velha caridade que humilha quem recebe para consolar quem dá. É isso que torna possível que as dores de consciência da direita presidencial e do Governo sejam concomitantes com um agravamento do problema.

Quando Sócrates dá os parabéns aos portugueses porque temos 3% de défice, ele mostra bem a distância e a contradição entre a sua preocupação orçamental e as preocupações da maioria dos portugueses. Ironicamente, os parabéns deviam ser-lhe devolvidos: Sócrates conseguiu que batêssemos alguns recordes. Já temos uma taxa de desemprego maior que a Espanha. E, no Porto, com Sócrates, batemos o recorde nacional da pobreza... Está de parabéns.

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