quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Entre bandos armados, agrotóxicos desumanos e sementes transgénicas.


Uma fazenda experimental de transgénicos da Syngenta no Brasil transformou­‑se, no terceiro domingo de Outubro, num cenário de horror logo depois da intervenção violenta de uma milícia privada. Como resultado, duas vítimas fatais, entre elas Valmir Mota de Oliveira “Keno”, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Além disso, outros camponeses feridos que algumas horas antes haviam ocupado a fazenda da filial brasileira da multinacional suíça em Santa Tereza do Oeste, a 540 quilómetros de Curitiba, na região sudoeste do Estado do Paraná. A partir destes factos, a empresa agroquímica suíça – número um no mundo no sector fitosanitário e número três no mercado de sementes comerciais – é colocada novamente no banco dos réus pela opinião pública internacional. Hoje, em função da violência contra os sem terra. Ontem, por “delitos comerciais” no mundo inteiro e pela sua acção contra o direito à soberania alimentar dos povos. No dia 26 de Outubro passado, importantes movimentos sociais brasileiros exigiram a saída da Syngenta do país acusando-a de crimes contra os direitos humanos e contra o meio ambiente.

MILÍCAS PRIVADAS... DA SYNGENTA

Conforme relatam diversas fontes de organismos brasileiros de direitos humanos, os factos aconteceram com velocidade espantosa. Na madrugada do domingo, 21 de Outubro, um grupo de aproximadamente 150 camponeses do MST e da Via Campesina ocuparam a área da Syngenta para denunciar o cultivo ilegal de sementes transgénicas de soja e de milho.

Sete horas mais tarde, pouco depois de meio-dia, um mini-autocarro com mais de 40 agentes integrantes de uma milícia privada chegaram ao local. À queima­‑roupa assassinaram com dois tiros no peito o militante agrário e balearam outros cinco agricultores. Outros dois dirigentes do MST conseguiram esconder-se e salvar as suas vidas.

É a história de um massacre anunciado. Apenas três dias antes, no dia 18 de Outubro, uma delegação da Comissão dos Direitos Humanos e de Defesa das Minorias do Congresso Nacional brasileiro havia participado de uma Audiência Pública em Curitiba. O objectivo desta foi conhecer in loco as denúncias sobre a formação e a actuação de milícias privadas no Paraná. Um dos dois Estados brasileiros com maior índice de violência contra trabalhadores sem terra.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra – CPT – ligada à Conferência dos Bispos católicos deste país sul­‑americano –, o Paraná foi o lugar de maior quantidade de conflitos agrários em todo o país durante o ano de 2006, com 76 casos. Neste Estado, os proprietários rurais articulados na União Democrática Ruralista e na Sociedade Rural do Oeste «patrocinam grupos paramilitares sob fachada de empresas de segurança para realizar desocupações ilegais e ameaçam quotidianamente a vida de trabalhadores rurais, estabelecendo um clima de terror», declara o documento de acusação elaborado pela ONG de direitos humanos “Terra de Direitos” e a Pastoral da Terra, analisado em Curitiba pela Comissão Parlamentar durante a recente audiência especial.

Embora a Syngenta tenha negado que a Sociedade de Segurança “NF” presente na sua fazenda experimental esteja autorizada a portar armas, a sua responsabilidade em factos como os ocorridos não é nova.

No 20 de Julho passado, no assentamento Olga Benário, sito no mesmo município, ao lado da fazenda experimental da Syngenta, várias famílias do MST foram «gravemente ameaçadas por agentes de segurança fortemente armados e contratados pela referida multinacional», como indica o mesmo documento de “Terra de Direitos”.

De acordo com o Boletim de Ocorrência lavrado nesta oportunidade na delegacia de polícia do lugar, «agentes de segurança da empresa Syngenta invadiram a sua área e lá permaneceram por aproximadamente quarenta minutos», efectivando disparos de grosso calibre durante a noite.

Seis dos pontos exigidos pelo documento de denúncia apresentado às autoridades legislativas durante a Audiência Pública em Curitiba no dia 18 de Outubro, apenas dois dias antes do massacre de Santa Tereza do Oeste, são conclusivos e permitem prever a tragédia. Exigem a realização de uma investigação séria, efectiva e imparcial sobre a formação, treinamento e contratação de milícias privadas no Estado do Paraná. Além disso, a investigação de empresas de segurança de fachada como a “NF” – contratada pela Syngenta – e a origem das suas armas. “Terra de Direitos”, a Comissão Pastoral da Terra e o MST também demandam providências para que não se repitam as violações de direitos humanos e seja garantida a integridade dos trabalhadores rurais.

SYNGENTA, PESTICIDAS TÓXICOS E SEMENTES “TERMINATOR”

Em 2006, a “Declaração de Berna” (DB), uma reconhecida organização suíça de informação e sensibilização, lançou a campanha de correios electrónicos “Stop Paraquat”, reforçada por inúmeras ONG do mundo inteiro. Esta exigia da Syngenta a interrupção imediata da produção e da comercialização deste agrotóxico, extremamente perigoso e nocivo para a saúde humana.

O Paraquat é vendido em mais de cem países com o nome genérico de “Gramoxone” e representa uma parte importante dos lucros da transnacional com sede em Basileia, que no período de 2006 acumulou ganhos líquidos declarados na ordem de 900 milhões de dólares. Lucros estes que «causaram milhares de mortes», como destaca a DB no documento base da sua campanha.

Apesar das críticas públicas que se iniciaram já nos anos 60 e das campanhas sistemáticas de denúncia contra a Syngenta – nascida em 2000 da fusão dos sectores agroquímicos da Novartis suíça e do consórcio anglo­‑sueco AstraZeneca – o Gramoxone continua a aumentar a sua comercialização, como comprovam as novas instalações inauguradas na China. Até ao momento, apenas uma dúzia de países proibiram ou limitaram significativamente o uso do Paraquat.

Em Maio deste ano, diversas organizações da Ásia, África e Europa apresentaram uma denúncia contra a Syngenta na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A razão da denúncia é o facto de a empresa suíça não respeitar os compromissos estabelecidos no marco do código de conduta da FAO, especialmente o seu Artigo 3.5 que conclama a evitar os agrotóxicos extremamente nocivos. Em Julho do ano passado, a Corte de Justiça Europeia também se pronunciou contra o produto referido.

Por outro lado, em Março de 2006, mais de vinte organizações camponesas, de cooperação para o desenvolvimento e de protecção ao meio ambiente da Suíça, exigiam numa carta enviada ao Governo suíço que o mesmo se comprometa «activamente a favor da proibição a nível mundial das plantas transgénicas “Terminator”». A Syngenta está particularmente activa no desenvolvimento destas sementes e de outras tecnologias similares, conforme denunciam as organizações da sociedade civil. As plantas do tipo “Terminator” produzem sementes estéreis que apenas possibilitam uma única colheita. Os camponeses não podem voltar a usar as sementes colhidas no próximo plantio.

Conforme a denúncia de Março de 2006 das organizações suíças, «o único objectivo desta tecnologia é dominar o mercado de sementes e assegurar o controle da alimentação mundial... o que resulta numa violação flagrante do direito humano à alimentação».

A temática do “Terminator” dominou parte da atenção nos debates e nas reflexões na 8ª. Conferência da Convenção das Nações Unidas sobre a Biodiversidade realizada no final de Março de 2006, justamente em Curitiba, Brasil.

Exactamente neste momento, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil e a Via Campesina ocuparam de forma simbólica as instalações da Syngenta em Santa Tereza para protestar contra «o plantio ilegal de soja e milho transgénicos», como informou neste momento a Swissinfo, a agência suíça de informação internacional, no seu portal de Internet.

O eixo de tensão entre o MST e a Syngenta era o plantio experimental de 120 hectares de sementes transgénicas realizado dentro da zona de protecção ambiental do Parque Nacional do Iguaçu. No final de 2006, o Governador do Estado do Paraná decretou a desapropriação da área referida, ao mesmo tempo que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA sancionava a transnacional suíça com uma multa de quase meio milhão de dólares pelas violações do marco legal brasileiro.

Estratagemas dilatórios, recursos jurídicos, campanhas publicitárias e ofensivas nos meios de comunicação permitiram à Syngenta escapar das acusações da justiça e das ordens de desapropriação. Estes mesmos métodos parecem repetir-se hoje para livrar-se de toda a responsabilidade nos factos do massacre de Santa Tereza do Oeste e do seu estendal de morte.

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