quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Jean-Claude Paye: «As leis antiterroristas. Um acto constitutivo do Império» *


– O fim das soberanias e das liberdades na Europa –


As leis “antiterroristas” impostas pelos Estados Unidos serviram para estabelecer os fundamentos sobre os quais se constrói uma nova ordem de direito, 0bserva o sociólogo Jean-Claude Paye. Elas aplicam-se doravante a todos os Estados europeus. Qualquer vulgar cidadão europeu pode, actualmente, ser vigiado no seu próprio país por serviços secretos estrangeiros, ser designado como um “combatente inimigo”, ser entregue a torturadores da CIA e ser julgado por comissões militares estadunidenses.

Silvia Cattori: Ao ler as suas duas obras La fin de l’État de droit. La lutte antiterroriste: de l’état d’exception à la dictature e Global War on Liberty [Guerra Global à Liberdade [1] compreende-se uma coisa que os responsáveis políticos querem esconder­‑nos: que todas as medidas tomadas no âmbito do Patriot Act [2] – apresentados como devendo referir-se a organizações terroristas – foram generalizadas e afectam doravante o conjunto dos cidadãos. Tem­‑se dificuldade em compreender como os Estados europeus puderam aprovar o abandono da sua ordem legal e submeter as suas sociedades a estas leis de excepção?

Jean-Claude Paye: Efectivamente, não há nada nos acordos europeus de extradição, assinados em 2003, que impeça os cidadãos europeus de serem levados perante os órgãos jurisdicionais de excepção dos Estados Unidos. É necessário saber que estes acordos, que legitimam estes Tribunais de excepção, são o resultado de anos de negociações secretas. São apenas a parte emergida do icebergue. Uma parte do texto relativa a estes acordos foi tornada visível porque devia ser ratificada pelo Congresso dos Estados Unidos.

Do lado europeu, não era necessário fazê­‑los ratificar pelo Parlamento Europeu, e os Parlamentos dos Estados­‑Membros não tiveram nenhuma possibilidade de influenciar o conteúdo dos acordos. São simples funcionários mandatados pelos diversos Estados-Membros que negociam a nível europeu.

– Mas, assinando estes acordos, o Conselho Europeu precipitou os nossos países num universo kafkiano! Se estes acordos não foram ratificados pelo Parlamento Europeu, porque foram aceites?

Não foram ratificados – o Parlamento Europeu tem apenas um parecer consultivo – mas têm força de lei. É muito revelador da estrutura imperial instaurada. Pode-se ver que a única estrutura estatal soberana que subsiste, são os Estados Unidos. A União Europeia, por exemplo, é uma estrutura completamente estilhaçada.

– A que nível teve lugar esta negociação?

Ao nível dos representantes do Conselho Europeu. São funcionários que quase não devem prestar contas. São os delegados permanentes responsáveis pelos assuntos de polícia e de justiça, designados pelos Estados­‑Membros. São funcionários europeus ou nacionais que se tornam satélites da Administração dos Estados Unidos. Isso é válido no plano judicial, mas também no plano económico.

– A União Europeia não está pois interessada em proteger os seus cidadãos. Tudo está fora do seu controle?

Sim, evidentemente. Foi construída de modo que tudo esteja fora do seu controle. Isso mostra que a União Europeia não é uma alternativa à potência dos Estados Unidos. Pelo contrário, ela está integrada nesta potência imperial, é um simples retransmissor [3].

Antes do 11 de Setembro de 2001 os Estados Unidos negociavam de forma bilateral. Na época, hesitavam em negociar com uma entidade como a Europa dos quinze porque havia sempre um Estado-Membro que não estava de acordo. Com os atentados do 11 de Setembro, as coisas aceleraram-se e simplificaram­‑se para os Estados Unidos. Continuam a negociar acordos bilaterais mas, agora, tratam também directamente com a União Europeia porque têm a relação de forças necessária para que os seus pedidos sejam imediatamente aceites. Vimo­‑lo aquando dos acordos relativos aos dados de vigilância das passagens aéreas. Um primeiro acordo tinha sido assinado em 2004, depois um segundo em 2006 e um terceiro em 2007. De cada vez, os Estados Unidos aumentaram as suas exigências.

O acordo sobre os dados relativos aos viajantes que se dirigem aos Estados Unidos – entrado em vigor a 29 de Julho de 2007 – é um bom exemplo. Neste acordo, os europeus esvaziaram da sua substância todas as protecções legais, nacionais e europeias, que existem em matéria de dados pessoais. Estes são acessíveis 72 horas antes do embarque. As companhias aéreas devem transmitir o número dos cartões bancários, o trajecto que você fará nos Estados Unidos. Estes têm o direito de impedir o acesso ao território, têm todos os direitos. Os cidadãos estrangeiros não são protegidos pelas leis dos Estados Unidos. Aquando das negociações, Washington concedeu que os europeus seriam tratados como os cidadãos dos Estados Unidos, mas trata­‑se aí de um privilégio concedido pela administração, que não tem força de lei e sobre o qual o poder executivo pode retornar.

– Nada mais se opõe à instauração de um sistema policial?

Evidentemente! Os governos europeus querem realizar a mesma tomada em mão das nossas liberdades. As exigências dos Estados Unidos dão-lhes a oportunidade. Dizem-vos: “Somos obrigados a aceitar os pedidos dos Estados Unidos porque as companhias europeias não poderão mais aterrar lá». Agem como se os Estados europeus não tivessem nenhum meio de retorsão e não pudessem, por sua vez, interditar as companhias estadunidenses de aterrar na Europa. Na verdade, eles querem fazer a mesma coisa que a administração estadunidense. Já existe o projecto de instaurar trocas de informações similares a nível europeu.

– Na Grã-Bretanha, as leis “antiterroristas” permitem perseguir qualquer pessoa que tem propósitos considerados susceptíveis de «criar uma atmosfera favorável ao terrorismo». Estas leis podem igualmente estender-se a outros Estados?

Sim. Na Grã-Bretanha, o governo Blair pôde criminalizar qualquer forma de oposição radical à sua política externa por meio da lei. Sobre o continente, os Estados procuram agir por meio da jurisprudência. Houve um processo extremamente interessante relativo a militantes e simpatizantes do DHKPC na Bélgica, uma organização de oposição radical turca [4], que mostra como o poder procura criar tribunais de excepção para fazer passar uma jurisprudência de excepção. Pela criação destes tribunais o poder procura criminalizar qualquer forma de apoio, mesmo verbal, a grupos rotulados como “terroristas” pelos Estados Unidos, inscritos depois na lista europeia das organizações “terroristas”.

– Em suma, estas leis “antiterroristas” instauradas após os atentados do 11 de Setembro de 2001, servem não somente os desígnios da administração Bush, mas também os dos governos europeus?

As medidas de que falamos foram instauradas antes do 11 de Setembro de 2001. O Patriot Act reúne um conjunto de medidas que existiam já parcialmente. O objectivo do Patriot Act não era unicamente impor as medidas tomadas, mas dar-lhes uma legitimidade. O que era parcelar, disperso, está agora reunido numa só lei. O que dá uma legitimidade às medidas que são tomadas.

– Pode-se deduzir que os Estados Unidos tinham necessidade de um grande atentado para fazer passar em força esta modificação do direito penal?

Obviamente! É necessário saber que o Patriot Act, que foi apresentado três dias após os atentados, compreende 128 páginas. O sistema penal dos Estados Unidos é complexo, funciona por referências. Isso quer dizer que uma lei altera o conteúdo das outras leis penais. Se tomarmos o conjunto das modificações, isso corresponde a 350 páginas. É necessário pelo menos um ano para redigir tal texto.

Ao nível da União Europeia, não é menos caricatural. As duas decisões quadro – a relativa às organizações “terroristas” e a relativa ao mandato de prisão europeu – foram apresentadas uma semana após os atentados. Aí também se trata de textos que estavam prontos. Esperava-se uma ocasião para os fazer passar.

– O que quer dizer que Bush desde 2001, e Sarkozy agora, podem servir-se destes procedimentos de excepção para transformar em inimigos quem eles quiserem?

No momento em que estes textos foram adoptados, tinha-se já uma boa ideia de aonde eles podiam conduzir. A lista das redes “terroristas” vem da União Europeia. É um regulamento europeu de 2001 que a instaura. No meu livro La fin de l’État de droit, pego no caso de um comunista filipino, José Maria Sison, um refugiado político reconhecido que teria obtido o asilo político nos Países Baixos. Inscrito na lista “terrorista” dos Estados Unidos, o seu nome foi transcrito em seguida na lista “terrorista” holandesa. Sison soube que estava inscrito na lista “terrorista” quando as suas contas foram bloqueadas e quando foi expulso do alojamento social que lhe tinha sido atribuído. Foi depois retirado da lista holandesa, mas como, entretanto, tinha sido inscrito na lista europeia do Conselho, o governo holandês serviu-se do pretexto de que Sison constava da lista “terrorista” europeia, para manter as disposições que não podia justificar.

O que é interessante neste caso, é que, a 11 de Julho de 2007, o Tribunal Europeu do Luxemburgo anulou a decisão do Conselho Europeu. Estipulou que não havia razão para inscrever Sison na lista “terrorista” do Conselho que permite o bloqueio das contas. O julgamento deixa bem claro que foram a ausência de “motivos pertinentes” e o desrespeito pelos direitos da defesa que fizeram com que a decisão do Conselho Europeu tenha sido anulada.

Contudo, a 28 de Agosto, Sison mais uma vez foi detido pela polícia holandesa, em violação da decisão do Tribunal de Justiça. Este caso é significativo das relações que há actualmente entre a Justiça – que é a última instituição de resistência à concentração dos poderes nas mãos do executivo – e a polícia. Isso mostra que a polícia faz o que quer, violando as decisões de justiça.

– Pareceria que a primeira transcrição na lista “terrorista” francesa dos decretos promulgados recentemente por George Bush, que criminalizam as organizações e indivíduos que se opõem à actual política no Iraque e no Líbano, começou. Uma lista de nomes poderia ser em breve publicada conjuntamente pela França e pelos Estados Unidos. Quando o dispositivo legislativo relativo ao branqueamento foi votado em Janeiro de 2006 pelo Parlamento em França [5], ninguém se questionou que serviria para atacar opositores políticos?

Em cada país, há uma lista interna das organizações “terroristas”. Geralmente, trata-se da simples transcrição da lista do Conselho Europeu, à qual são acrescentados elementos complementares.

Inteiro­‑me no que diz respeito ao Líbano. Aqui parece que foram acrescentados elementos complementares sobre os elementos de oposição política no Líbano. Seria interessante saber se estes elementos vão ser integrados na lista do Conselho Europeu.

Não é um Tribunal que declara que tal é “terrorista”; é uma simples autoridade administrativa que o inscreve, sem que haja alguma explicação que justifique pô-lo nesta lista “terrorista”.

– O que é que tudo isso lhe inspira?

Isso mostra que quase todos os poderes estão actualmente concentrados nas mãos do executivo. Que o executivo tem agora poderes judiciais. É o poder executivo que decide que se pode tomar esta ou aquela medida a vosso respeito.

O exemplo que se refere à oposição no Líbano e o exemplo de José Maria Sison, são exactamente a mesma coisa. Trata-se de decisões sem motivações. Excepto que, com o Líbano, há uma extensão, dado que não é suficiente ser membro de uma organização que é designada como “terrorista” para ser incriminado, mas simplesmente ter contactos com os seus membros. É uma tendência geral que prevalece a nível da aplicação das legislações “antiterroristas”.

– Então, o objectivo do Patriot Act e das outras leis “antiterroristas”, é o de atacar as liberdades fundamentais?

Sim, o objectivo é suprimir as liberdades fundamentais.

– Seria de esperar que todas as forças políticas denunciassem estas normas de excepção. A esquerda, que se apresenta como defensora da justiça social, não deveria mobilizar-se, exigir que se retorne imediatamente ao Estado de Direito?

A Esquerda? Qual esquerda? Olhe para os Estados Unidos. Os democratas votam as leis mais liberticidas elaboradas pelo Partido Republicano. O Military Commission Act, adoptado em 2006, foi votado igualmente por uma parte do Partido Democrata que, no entanto, é maioritário na Câmara e tinha a possibilidade de impedir esta lei de passar.

Entre nós, é a mesma coisa. Não se vê a diferença com a direita quando a esquerda está no poder, à parte uma aceleração, como é o caso com o presidente Sarkozy. Por exemplo, em França, as primeiras medidas de vigilância da net, medidas de vigilância global, foram instauradas pelo governo de Lionel Jospin.

O único aparelho que manifesta uma pequena resistência é o aparelho judicial. Nos Estados Unidos, há deliberações tomadas pelo executivo que são anuladas. Por exemplo, quando o Tribunal de Cassação na Bélgica anulou por defeito de forma o julgamento em apelação dos militantes do DHKCP, é uma resistência no aparelho judicial. O problema é que não há nenhum eco na sociedade civil. Esta ausência de eco soma­‑se ao silêncio dos meios de comunicação social. Não se pode esperar de uma instituição isolada que possa conduzir muito tempo a resistência.

– Mas é um ataque contra a liberdade de opinião que se estende ao mundo inteiro. É pois capital que os partidos políticos se preocupem com estas derivas e que os cidadãos saibam que estas novas leis permitem, com base numa simples suspeita, manter qualquer um em prisão sem acusação e sem processo, que já ninguém está protegido pela lei, que se trata de um arbitrário total! Como explicar que, nos Fóruns Sociais, os altermundialistas, os responsáveis da ATTAC, não ponham estas questões no centro do debate?

Não falam. Não querem falar. Isso toca nos problemas fundamentais. Não querem falar destes problemas porque deveriam enfrentar directamente o poder. Estas preocupações são secundárias para eles. Também não fazem parte do programa da ATTAC. Falam da taxa Tobin, de coisas periféricas. Estamos numa sociedade psicótica, uma sociedade da não confrontação.

Não são nunca os partidos que governam que protegem os cidadãos. Sempre que os partidos fizeram passar medidas favoráveis aos cidadãos, é porque havia uma relação de forças que os obrigou. A democracia conquista­‑se cada dia, nunca é concedida.

Se estudarmos e explicarmos estas leis “antiterroristas”, revelar‑se­‑á exactamente a natureza do poder. Não poderemos mais falar de poder democrático, veremos uma sociedade que já está em marcha para a ditadura. Constataremos que cada nova medida tomada é pior que a precedente. As coisas são muito claras. Mas recusamo­‑nos a vê­‑las como são.

O problema fundamental não é que o poder se transforme em ditadura, porque, como a história o demostra, um poder incontrolável transforma-se sempre em ditadura. O problema fundamental da nossa época é a abdicação das pessoas perante este processo. E esse é um fenómeno assaz novo. As pessoas abandonam ao poder e à máquina económica as suas liberdades; e a prazo, tendo em conta os problemas ambientais e climáticos, a sua sobrevivência como espécie viva.

– Desde quando pressentiu que as coisas iam evoluir neste sentido, e que pessoas que criticam o sistema político e mediático iam ser proibidas de falar?

A partir do fim dos anos 90. Já nessa época, constatava-se a instauração deste Estado policial. Mas as leis instauradas à época parecem quase democráticas em relação ao que vemos hoje. O processo conhece uma forte aceleração.

– Isso significa que a Autoridade executiva dos Estados Unidos ataca directamente os direitos fundamentais dos cidadãos do mundo inteiro, entre os quais os da União Europeia!?

Sim, evidentemente! Mas não se trata somente do executivo estadunidense, mas do conjunto dos executivos do planeta, entre os quais há uma verdadeira solidariedade contra as suas populações. As prisões secretas da CIA são um bom exemplo deste processo [6]. Ao nível europeu, administrações foram integradas directamente nesta organização da tortura. No melhor dos casos, tudo o que se pôde obter dos governos europeus é que se comportam como os três pequenos macacos: cegos, surdos e mudos [7].

– O que vai acontecer àqueles que estão inscritos nestas listas “terroristas”, que permanecem secretas?

As listas “terroristas” não são todas secretas. A nível europeu, só a lista “Europol” é secreta. Ela permite tomar medidas de vigilância e a aplicação de técnicas especiais de vigilância e de investigações secretas a propósito de pessoas designadas como “terroristas” [8].

A lista do Conselho Europeu permite tomar medidas financeiras, como o bloqueio das contas bancárias. Todos estes elementos vão ser utilizados se a relação de forças for favorável ao poder existente. A primeira coisa a fazer é revelar o que se passa, difundir o máximo de informações e fazer de modo que estas listas sejam conhecidas.

– Isso não vos sugere nenhuma analogia?

Sim, o clima dos anos 30. Mas, actualmente, instaura-se uma ditadura mundial. Uma espécie de “melhor dos mundos” e não um simples processo de “fascisação”.

– Desde 2001, raptam-se pessoas, torturam-se pretensos “terroristas” de origem árabe e confissão muçulmana. Deve-se esperar que, amanhã, se punam aqueles que denunciam estes abusos?

O império tem necessidade de inimigos. Ele cria, inventa os seus próprios inimigos.

A primeira coisa a fazer é mostrar o que está escondido [9]. Há tantas leis que permitem fazer qualquer coisa, em qualquer momento! Mas isso faz-se em função da resistência imediata dos interessados. Anteriormente, havia um quadro legislativo que nos protegia. Agora, podem fazer qualquer coisa se tiverem a capacidade de o impor. Hoje, as coisas repousam sobre uma pura relação de forças.

– Dick Marty [10], mandatado pelo Conselho da Europa, poderá obter da União Europeia a anulação destas listas ilegais?

O relatório Dick Marty redigiu é muito importante! O seu relatório faz mossa, opõe-se à linha política dos governos europeus. Mas, na prática, Marty não tem nenhum poder; o seu relatório nada pôde alterar porque é contra a corrente. Esse relatório é contudo essencial.

– Estas políticas que nos falam de justiça e de liberdade, são vento?

É necessário ser lúcido, mostrar as coisas como são. Aqueles que fazem críticas limitando­‑se a dizer: “Sim é necessário leis antiterroristas, é necessário lutar contra o terrorismo, mas é necessário evitar os abusos” nada mais fazem que legitimar o ponto de vista do poder. É necessário mostrar que as leis, que têm por objectivo declarado lutar contra o “terrorismo”, são na verdade leis contra as populações.

A última lei promulgada nos Estados Unidos, o Military Commission Act, é uma lei constitucional de alcance mundial, como demonstro no meu último livro Global War on Liberty. O presidente dos Estados Unidos tem a possibilidade de designar como inimigo qualquer cidadão estadunidense ou qualquer cidadão de um país com o qual os EUA não estão em guerra. A gestão das populações, cidadãos estadunidenses compreendidos, torna­‑se um acto de guerra e não já apenas uma acção de polícia.

Tomemos o exemplo do Acordo Swift. A Swift é uma agência belga que se ocupa das transferências financeiras internacionais. A Swift transmitiu, desde 2001, todas as informações sobre as transacções dos seus clientes violando, não somente a legislação belga, mas a legislação europeia [11]. É o direito dos Estados Unidos que se aplica na Europa.

Tudo o que é dito pela administração estadunidense é do domínio da fé. A tese governamental sobre os atentados do 11 de Setembro, ninguém pode racionalmente crê­‑la. O relatório da Comissão nem sequer indica que uma terceira torre se desmoronou. É um relatório psicótico no qual o discurso do amo se substitui ao dos próprios factos. Uma recente sondagem Zogby mostra que a maioria dos estadunidenses deseja a reabertura do inquérito [12]. Enquanto que na Europa, o simples facto de fazer perguntas é estigmatizado.

– Que mecanismo resta para exigir o retorno a um Estado de Direito?

É necessário pôr as coisas em pratos limpos. Falar claramente. Mostrar os desafios. Isso depende da capacidade de resistência das pessoas.

A luta “antiterrorista” é na verdade uma guerra contra as liberdades. Esta guerra contra as liberdades é a primeira etapa de uma guerra contra as populações. E o Military Commission Act é uma lei penal que tem um carácter mundial, e que, na verdade, é um acto de uma soberania imperial. É uma lei que confunde relação de polícia e relação de guerra. É a instauração de uma nova forma de Estado mundial que, integrando funções de polícia e de guerra, luta contra as suas próprias populações.

Algo importante, esta lei é aplicável a nível mundial, dá a possibilidade aos Estados Unidos, não somente de raptar, mas sobretudo de fazer com que lhe seja entregue qualquer cidadão do mundo, ou seja, pessoas que qualificaram de “inimigos combatentes”.

Os acordos europeus de extradição com os Estados Unidos não se opõem a que as pessoas designadas como “inimigos combatentes” possam ser transferidas para os Estados Unidos. É pois uma lei que tem um alcance mundial. É um Acto constitutivo do Império.

Actualmente, é o direito penal que é constituinte. Isto já existiu na história das nossas sociedades. O direito penal exerce um papel constituinte nos períodos de transição (por exemplo, no início do capitalismo o direito penal foi dominante).

Se o direito penal é actualmente dominante, é porque se prepara uma nova forma de direito de propriedade. Ao qual poderíamos chamar o fim da “propriedade de si”. O conjunto dos nossos dados pessoais já não nos pertence. Pertencem ao Estado, mas igualmente às firmas privadas. A dominação do direito penal prepara a instauração deste futuro direito privado.

– As pessoas pensam geralmente que estas medidas só tocam indivíduos precisos?

Elas tocam todos. Tocam qualquer forma de resistência. Um “terrorista” tornou-se alguém que não quer abandonar as suas liberdades ao poder, alguém que quer viver.

– Desde este Verão, os Estados Unidos consideram como suspeitos de “terrorismo” os opositores à sua política no Iraque e no Líbano [13]. O director da agência de imprensa libanesa New Orient News, membro da Rede Voltaire, já aí figura. A administração Bush teria pedido ao governo Sarkozy que transcrevesse em direito francês as novas listas de opositores políticos e de aí fazer figurar o jornalista Thierry Meyssan, já personna non grata no território dos Estados Unidos. Isso surpreende-o?

Não estava a par do pedido concreto de Bush relativo a Thierry Meyssan. Mas é um contexto de pura relação de forças num momento determinado. Quando se pensa na histeria que os ditos “intelectuais” franceses desenvolveram, e nos ataques que Thierry Meyssan sofreu em França desde a saída do seu livro sobre os atentados de 11 de Setembro [14] que ousava fazer as perguntas que era necessário pôr­‑se, nada nos pode já surpreender.

O meu trabalho mostra que as disposições “antiterroristas” têm por objecto atacar os opositores políticos, bem como as populações, e não somente os “islamitas”. Não podemos pois ser fundamentalmente surpreendidos, se isso se verifica, com uma eventual inscrição de Thierry Meyssan nas listas “terroristas”. Contudo, isso indicaria que franqueamos uma nova etapa na criminalização da expressão de oposição. Isso indicaria que o poder se sentiria perfeitamente à vontade, trazendo à luz do dia os objectivos que sempre negou até ao presente.

Quem pode acreditar na tese governamental dos atentados do 11 de Setembro? Quem pode acreditar que uma torre atingida por um avião cai de maneira controlada? O problema é que os Estados Unidos dão todas as informações que permitem pôr em causa a sua tese, e as pessoas fazem de conta que acreditam. Estamos num mecanismo perverso, no qual o indivíduo, para não enfrentar o Real, faz de conta que acredita no inverosimilhante.

– Então, apesar de Thierry Meyssan ter revelado factos que foi necessário levar a sério, curiosamente, os jornalistas em geral fustigaram­‑no.

A quem pertencem esses jornais que difamaram Thierry Meyssan? Esses “jornalistas” são pessoas que recopiam o que lhes dizem para dizer. Conhece muitos jornalistas “oficiais” que verificam as suas fontes e que fazem um trabalho de investigação sério?

– Os seus livros são importantes para todos os que defendem as liberdades.

Escrevi esses livros porque acreditei que era necessário fazê-lo. Quando vi essas leis passarem na Bélgica e por toda a parte no mundo, tudo caminhava no mesmo sentido. Era necessário fazer ressaltar essa coerência. Há pouca gente que faça esse trabalho. Sou quase o único que trabalha de forma global. Todos esses dados não estão colectados. Devo colectá-los, fazer o trabalho dos juristas e, ao mesmo tempo, o meu trabalho de sociólogo, de poder pensar a nova forma de organização do poder. Os meus trabalhos levam em conta os dois lados do Atlântico. Estudam, não só as leis antiterroristas, mas todas as leis de controle social. Isso forma um todo.

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