sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Festival ArtiVists em Portugal


Hipocrisia em forma de lei: Ministério da agricultura cria seguro de protecção às culturas de milho transgénico


Foi hoje publicado o Decreto-Lei 387/2007 relativo ao Fundo de Compensação destinado a indemnizar danos económicos causados pelo cultivo de milho transgénico. O governo português reconhece assim formalmente que a introdução de variedades geneticamente modificadas pode levar à contaminação da agricultura portuguesa, e que essa contaminação acarreta prejuízos concretos.

No entanto, a letra da lei falha redondamente o espírito da lei e o 387/2007, em vez de garantir protecção efectiva e integral às vítimas da contaminação, redefine prejuízo económico por forma a excluir quase todos os casos possíveis. Com efeito, e de acordo com este Decreto-Lei, não há direito legal a indemnização via Fundo de Compensação se:

– o terreno contaminante e contaminado distarem mais de 200 metros [muito embora a investigação do governo ter já encontrado contaminação de 1,4% a 250 metros];

– o produtor prejudicado cultivar variedades regionais [muito embora estas constituam o nosso mais precioso património agrícola];

– a contaminação estiver abaixo de 0,9% [muito embora todos os produtores biológicos e alguns convencionais percam certificação e/ou contratos mesmo com contaminações inferiores];

– a descoberta da contaminação acontecer depois de 31 de Dezembro;

– não for possível demonstrar a perda de contrato, ou seja, se a contaminação for detectada antes de o contrato ter sido acordado;

– o prejudicado for um apicultor, cuja exportação ou venda de mel seja cancelada devido à presença de pólen transgénico;

– a contaminação for devida a más práticas de quem cultivou milho transgénico.

Para além dos casos evidentes de prejuízo não contemplados neste Decreto-Lei existe também um enviesamento marcado a favor da engenharia genética e das sementes contaminantes:

– a ANSEME, Associação Nacional dos Produtores e Comerciantes de Sementes, representa as empresas que vendem as sementes transgénicas e como tal é parte interessada em todos os processos e queixas que envolvam os seus produtos... mas, em flagrante conflito de interesses, a ANSEME vai fazer parte do Grupo de Avaliação que ajuizará e atribuirá indemnizações;

– esse mesmo Grupo de Avaliação não inclui qualquer representante da fileira da agricultura biológica, a primeira e mais imediata vítima da contaminação, nem da sociedade civil, muito embora inclua a indústria alimentar e de rações;

– hectare por hectare, a taxa a cobrar aos utilizadores de transgénicos (4 euros por hectare) vai ser frequentemente muito inferior à taxa que os produtores vitimados terão de pagar só para que a sua queixa possa dar entrada e ser considerada (que é de 100 euros por cada pedido);

– mesmo que a queixa seja atendida, o Decreto-Lei não garante que o produtor receba toda a compensação a que tem direito uma vez que a indemnização efectiva depende dos fundos disponíveis em cada ano;

– o preço das análises exigidas é muito elevado (pode rondar os 450 euros por amostra, fora o custo da deslocação e amostragem) e, no caso de a queixa ser indeferida, não é ressarcido;

– para pequenos produtores, de dimensão familiar, o investimento em planos regulares de monitorização de contaminação e processos de queixa quando essa contaminação se verifique é simplesmente incomportável e impede qualquer tentativa de busca da compensação;

– quando variedades regionais aparecerem contaminadas não está prevista qualquer medida de descontaminação ou protecção do germoplasma nacional.

A machadada final nas expectativas que poderiam existir em torno deste Fundo de Compensação está na exigência de que os queixosos prescindam de qualquer outro modo de compensação financeira. Esta medida efectivamente representa um seguro de protecção às actividades da indústria da engenharia genética em Portugal, que assim recebe garantias de que, qualquer que seja a extensão do prejuízo, nunca receberá a factura real e apenas pagará os simbólicos 4 euros por hectare.

De notar que, para o caso de 2007 em que foram cultivados 4263 hectares de milho transgénico, o Fundo de Compensação receberia 17.052 euros. Este valor não é suficiente sequer para cobrir o custo de 40 análises, fora o prejuízo propriamente dito da desvalorização efectiva da produção, e não se prevê qualquer mecanismo para aumento da taxa que o financia.

O Decreto-Lei 387/2007 permite ao governo e à indústria uma última ironia: afirmar, dentro de pouco anos, que o cultivo de milho transgénico em Portugal é um sucesso na medida em que o Fundo de Compensação não está a ser utilizado. Infelizmente conhecem-se desde já as razões dessa não utilização.

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* A Plataforma Transgénicos Fora é uma estrutura integrada por onze entidades não-governamentais da área do ambiente e agricultura (ARP, Aliança para a Defesa do Mundo Rural Português; ATTAC, Associação para a Taxação das Transacções Financeiras para a Ajuda ao Cidadão; CNA, Confederação Nacional da Agricultura; Colher para Semear, Rede Portuguesa de Variedades Tradicionais; FAPAS, Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens; GAIA, Grupo de Acção e Intervenção Ambiental; GEOTA, Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente; LPN, Liga para a Protecção da Natureza; MPI, Movimento Pró-Informação para a Cidadania e Ambiente; QUERCUS, Associação Nacional de Conservação da Natureza; e SALVA, Associação de Produtores em Agricultura Biológica do Sul) e apoiada por dezenas de outras.

Para mais informações contactar info@stopogm.net ou http://www.stopogm.net/

Mais de 10 mil cidadãos portugueses reiteraram já por escrito a sua oposição aos transgénicos.

200 Anos de Denúncia da Escravatura - Lisboa 8 e 9 de Dezembro



200 anos de denúncia da escravatura 8 e 9 de Dezembro Livraria Ler Devagar Poço do Bispo, Lisboa Programa Sábado, 8 de Dezembro Das 18:00 às 20:00 - Comunicações de Paulo Guimarães, historiador (Portugal); Tereza Neves, historiadora (Cabo Verde); Zaluar Basílio, economista (Portugal); representante do jornal Gueto, dos bairros de africanos dos subúrbios de Lisboa; Sérgio Mesquita, historiador (Brasil); e Robert King (EUA) Domingo, 9 de Dezembro Das 18:00 às 19:30 - Projecção do filme «Quilombo» de Carlos Diegues Das 19:30 às 21:30 - Jantar africano (inscrições : tertúlia.liberdade@yahoo.com ) A partir das 21:30 - Música com José Mário Branco, Naidy Barreto, Tino Flores, Cantadores da Rusga, Couple Coffee, Kova.M.Most e Kumpanhia Algazarra - Poesia por Maria das Graças e Pedro Mota - Capoeira (colaboração de mestre Chá Preto) - Cinema alusivo (colaboração da Casa do Brasil) - Exposição ENTRADA LIVRE Uma iniciativa da Tertúlia da Liberdade com os apoios da Livraria Ler Devagar, Livraria Letra Livre e da Deriva Editores. Mais informações: http://tertulialiberdade.blogspot.com/Contacto: tertulia.liberdade@yahoo.com DIVULGA E APARECE

Crises Econômicas Capitalistas: Superprodução, Subconsumo ou Superinvestimento?



Ao contrário dos modos de produção pré-capitalistas, nos quais as crises econômicas eram causadas pela sub-produção (escassez), no modo de produção capitalista as crises econômicas são causadas pela superprodução, (abundância). A produção capitalista não se destina à satisfação das necessidades dos produtores, mas à obtenção de lucro, sendo a satisfação das necessidades apenas um meio para a obtenção de lucro. Em decorrência da anarquia na produção capitalista, os capitais não afluem necessariamente para onde há maior necessidade, mas para onde há maior lucratividade. Se produzir batons, por exemplo, é mais lucrativo do que produzir aspirina, fodam-se as pessoas que se encontram em estado febril e viva as dondocas; se a produção de cigarros é mais lucrativa do que a produção de nebulizadores, fodam-se os pulmões; se a produção de projéteis é mais rentável do que a produção de pão, fodam-se os famintos e as vítimas dos projéteis e viva o lucro. Se produzir balinhas é mais lucrativo do que fabricar vermífugos, viva os parasitas sociais e fodam-se os parasitados. Entretanto, quando as forças produtivas, finalmente desvencilhadas das petrificadas relações de produção feudais, puderam desenvolver-se livremente com as novas relações de produção capitalistas, isto é, enquanto o regime de produção capitalista estava se desenvolvendo em sentido ascensional, o economista francês Jean Batiste Say formulou a lei dos mercados: “Toda produção ou toda oferta cria a sua própria demanda.” O capitalismo parecia imune às crises econômicas. Atingido o ponto máximo da curva econômica capitalista, o mercado satura. A oferta supera a demanda, os preços das mercadorias despencam e com eles despencam também os lucros. O capitalismo começa sua fase de queda livre. Temos, então, a recessão: a produção pára, os trabalhadores perdem seus empregos, o que faz que com que a demanda diminua ainda mais, o crédito se retrai e com ele os investimentos. Chegado a esse ponto, as relações de produção capitalista entravam a produção em vez de impulsioná-la. Em 1848, Marx e Engels registraram, no Manifesto do Partido Comunista, a primeira crise de superprodução: “... As relações burguesas de produção e de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que fez surgir gigantescos meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar as forças internas que pôs em movimento com suas palavras mágicas. Há dezenas de anos, a história da indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças produtivas modernas contra as atuais relações de produção e de propriedade que condicionam a existência da burguesa e seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesa. Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos já fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já desenvolvidas. Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba sobre .a sociedade - a epidemia da superprodução. Subitamente, a sociedade vê-se, reconduzida a um estado de barbaria momentânea, dir-se-ia que a fome ou uma guerra de extermínio cortaram-lhe todos os meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem aniquilados. E por quê? Porque a sociedade possui demasiada civilização, demasiados meios de subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio. As forças produtivas de quê dispõe não mais favorecem o desenvolvimento das relações de propriedade burguesa; pelo contrário, tornaram-se por demais poderosas para essas condições, que passam a entravá-las; e todas as vezes que as forças produtivas sociais se libertam desses entraves, precipitam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu seio. De que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las.” Quando as forças produtivas, que são dinâmicas por sua própria natureza, avançam, elas entram em conflito com as relações de produção e de propriedade, que se petrificam muito rapidamente. A classe patronal vence as crises comerciais não fazendo avançar as relações de produção e de propriedade, mas fazendo recuar as forças produtivas. Já na primeira crise de superprodução capitalista, a classe operária tentou o avanço das relações capitalistas de produção e de propriedade (Primavera dos Povos, em 1848), mas a burguesia venceu, fazendo recuar as forças produtivas. “A burguesia”, afirmam Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, “vive em guerra perpétua; primeiro, contra a aristocracia; depois, contra as frações da própria burguesia cujos interesses se encontram em conflito com os progressos da indústria; e sempre contra a burguesia dos países estrangeiros. Em todas essas lutas, vê-se forçada a apelar para o proletariado, reclamar seu concurso e arrastá-lo assim para o movimento político, de modo que a burguesia fornece aos proletários os elementos de sua própria educação política, isto é, armas contra ela própria.” Em 1870, irrompe uma guerra entre a França e a Prússia, onde o território de Alsácia-Lorena, pertencente à França, rico em carvão mineral, é tomado pela burguesia da Alemanha. É uma guerra para conquista de mercado fornecedor de energia. Nessa guerra, o exército prussiano chega às portas de Paris. A burguesia francesa, não tendo outra saída, arma a população de Paris para se proteger do exército prussiano. Armada, a classe operária de Paris defende a cidade do exército prussiano e, pela primeira vez na História, toma o poder político, na tentativa de fazer avançar as relações de produção. As burguesias dos dois países em guerra se reconciliam para afogar a primeira Revolução Proletária no sangue dos operários. A primeira guerra mundial foi uma guerra imperialista, pela conquista de mercados pelos países capitalistas da Europa. A segunda guerra mundial foi não uma guerra para expandir os mercados, os quais já tinham atingidos os limites de expansão, mas para destruir parte das forças produtivas, impedindo, assim, o avanço das relações de produção capitalistas e para derrotar a Revolução Russa. “O essencial da guerra”, diz Orwell, “é a destruição, não necessariamente de vidas humanas, mas de produtos do trabalho humano. A guerra é um meio de despedaçar, ou de libertar na estratosfera, ou de afundar nas profundezas do mar, materiais que de outra forma teriam de ser usados para tornar as massas demasiado confortáveis e, portanto, com o passar do tempo, inteligentes” Para Bertrand Russell, “devido à total ausência de controle central sobre a produção, produzimos uma imensa uma imensa quantidade de coisas de que não precisamos. Mantemos ociosa uma parcela considerável da população trabalhadora, que se torna dispensável justamente porque se impõe o sobretrabalho à outra parcela. Quando esse método se revela inadequado, fazemos a guerra: colocamos um monte de gente para fabricar explosivos e outro tanto para explodí-los, tal como crianças que acabaram de descobrir os fogos de artifício. Combinando todos esses mecanismos, somos capazes, ainda que com alguma dificuldade, de manter viva a noção de que uma grande quantidade de trabalho manual é o quinhão inevitável do homem comum.” Resumindo, a burguesia está sempre em guerra, algumas para conquistar novos mercados, tanto consumidor quanto fornecedor de matérias-primas, outras para destruir o excedente da produção, isto é, para fazer recuar as forças produtivas, e outras para impedir o avanço das relações de produção e de propriedade. Com a primeira crise comercial capitalista, a burguesia caiu do cavalo e, rendendo-se aos fatos, teve que admitir a existência de crises capitalistas. Mas para os economistas burgueses, a crise não era no modo de produção capitalista, mas na circulação. Em outras palavras, as crises capitalistas seriam causadas pelo sub-consumo, o qual pertence à esfera da demanda, e não pela superprodução (oferta). A teoria subconsumista sustentava que devido ao fato de os salários pagos aos trabalhadores serem menores do que o a quantidade de riqueza que eles produzem, o poder aquisitivo dos trabalhadores não permitiram a eles comprarem tudo o que eles conseguem produzir, o que resultaria sempre numa oferta superior à demanda. Marx refutou definitivamente essa teoria, demonstrando que eram os altos salários, e não os baixos, a causa das crises capitalistas. "It is sheer redundancy to say that crises are produced by the lack of paying consumption or paying consumers. The capitalist system recognizes only paying consumers, with the exception of those in receipt of poor law support or the 'rogues.' When commodities are unsalable, it means simply that there are no purchasers, or consumers, for them. When people attempt to give this redundancy an appearance of some deeper meaning by saying that the working class does not receive enough of its own product and that the evil would be dispelled immediately it received a greater share, i.e., if its wages were increased, all one can say is that crises are invariably preceded by periods in which wages in general rise and the working class receives a relatively greater share of the annual product intended for consumption. From the standpoint of these valiant upholders of 'plain common sense,' such periods should prevent the coming of crises. It would appear, therefore, that capitalist production includes conditions which are independent of good will or bad will. . . " A causa da superprodução é o sobretrabalho. “O trabalhador” diz Marx nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844, “não tem apenas de lutar pelos meios físicos de subsistência; deve ainda lutar para conseguir trabalho, isto é, pela possibilidade e pelos meios de realizar a sua atividade. Tomemos consciência das três condições principais em que a sociedade pode vir a encontrar-se e levemos em consideração a situação do trabalhador em cada uma delas: 1. Ao diminuir a riqueza da sociedade, o trabalhador é o mais sacrificado, porque embora a classe operária não possa ganhar tanto como a classe dos proprietários num estado próspero da sociedade, ninguém sofre tão cruelmente com seu declínio como a classe trabalhadora. 2. Analisemos uma sociedade em que a riqueza aumenta. Esta ocorrência é a única favorável ao trabalhador. Neste caso, há concorrência entre capitalistas e a procura de trabalhadores supera a oferta. Mas, primeiramente, a elevação de salários leva ao excedente de trabalho entre os trabalhadores. Quanto mais desejam ganhar mais têm de abrir mão do tempo e realizar um trabalho de escravo, em que sua liberdade se encontra totalmente alienada e a serviço da mesquinhez. Assim, abreviam suas vidas. (Aqui eu peço um aparte a Marx e Engels para, se concedido o referido aparte, fazer uma citação pertinente do Dalai Lama: “O que mais me surpreende na humanidade é o próprio homem, que perde sua saúde para ganhar dinheiro, depois perde seu dinheiro para recuperar sua saúde, vive pensando ansiosamente sobre o futuro e esquece do presente, e acaba não aproveitando nem um nem o outro. Além disso, vive como se não fosse morrer, e morre como se nunca tivesse vivido”). Redução análoga do tempo de vida é uma conjuntura favorável para a classe trabalhadora como um todo, já que torna necessária uma oferta sempre renovada de trabalhadores. Essa classe tem sempre de sacrificar uma parte de si mesma, para não ser arrasada como conjunto. Ademais, quando determinada sociedade se encontra numa condição de aumento de riqueza? Sempre que o capital e os rendimentos de um país se elevam. Mas isso só é viável nas seguintes situações: (a) Ao se acumular muito trabalho, porque capital é trabalho acumulado; consequentemente, quando o trabalhador é demasiadamente privado do produto de seu trabalho, quando seu próprio trabalho a ele se contrapõe como domínio alheio e quando os seus meios de subsistência e a sua atividade se concentram cada vez mais nas mãos do capitalista. (b) O aumento de capital aumenta a divisão do trabalho e a divisão do trabalho aumenta o número de trabalhadores; mutuamente, o número crescente de trabalhadores aumenta a divisão do trabalho e a divisão crescente do trabalho intensifica a acumulação do capital. Como resultado da divisão do trabalho, por um lado, e da acumulação do capital, por outro, o trabalhador torna-se mesmo mais inteiramente dependente do trabalho e de um tipo de trabalho particular, demasiadamente unilateral, automático. Por esse motivo, assim como ele se vê diminuído espiritual e fisicamente à condição de uma máquina e se transforma de ser humano em simples atividade abstrata e abdômen, também se torna em progressão mais dependente de todas as oscilações no preço corrente, no emprego do capital e nos caprichos do rico. Desse modo, o crescimento da classe de homens que são inteiramente dependentes do trabalho aumenta a competitividade entre os trabalhadores e baixa o seu preço. No sistema industrial, esta situação dos trabalhadores atinge o clímax. (c) Uma sociedade onde a prosperidade cresce, só quem é realmente rico pode subsistir do juro sobre o dinheiro. Todos os outros têm de aplicar o capital no negócio ou no comércio. Por conseguinte, intensifica-se a concorrência entre os capitalistas. Aumenta a acumulação do capital, os grandes capitalistas arruínam os menores e alguns dos já citados capitalistas imergem na classe operária que, em virtude dessa elevação de números, sofre mais uma baixa nos salários e torna-se ainda muito mais dependente dos poucos grandes capitalistas. Ao mesmo tempo, uma vez que o número de capitalistas diminui, a sua competição por trabalhadores dificilmente continua a existir, enquanto a competição entre trabalhadores, devido ao aumento de seu número, se tornou maior, mais irregular e mais agressiva. Por isso, parte da classe trabalhadora cai numa condição de miséria ou de fome, com a mesma necessidade com que uma seção dos capitalistas médios mergulha na classe trabalhadora. Desta forma, mesmo na conjuntura de sociedade que é mais favorável ao trabalhador, o resultado fatal para o trabalhador é o trabalho exagerado e a morte precoce, a deterioração em máquina, a submissão ao capital que se acumula em intimidante oposição a ele, nova concorrência, a morte ou a fome ou a mendicância para uma parcela dos trabalhadores. A elevação dos salários desperta no trabalhador igual anseio de enriquecer que no capitalista, mas só o pode satisfazer pelo sacrifício de seu corpo e espírito. O aumento de salários implica e prova o aumento do capital; assim, ele aliena progressivamente o produto do trabalho do trabalhador. Da mesma forma, a divisão do trabalho torna-o cada vez mais unilateral e dependente, e insere não só a concorrência de outros homens, mas também das máquinas. Uma vez que o trabalhador foi diminuído a máquina, a máquina pode com ele concorrer. Finalmente, assim como a acumulação do capital aumenta a importância da indústria e, assim, o número de trabalhadores, também como resultado desta acumulação o mesmo volume de indústria produz uma maior quantidade de produtos que leva á superprodução e culmina ou no desemprego de grande parte dos trabalhadores ou na redução de seus salários ao mais miserável mínimo. Estas são as conseqüências da situação da sociedade que é mais favorável ao trabalhador, a saber, uma situação de riqueza que cresce e se desenvolve.” Por seu turno, Paul Lagargue afirma na obra Direito á Preguiça que: “Se as crises industriais se seguem aos períodos de supertrabalho tão fatalmente como a noite se segue ao dia, arrastando atrás de si o desemprego forçado, e a miséria sem saída, também levam à bancarrota inexorável. Enquanto o fabricante tem crédito, solta a rédea à raiva do trabalho, faz empréstimos, volta a fazer empréstimos para fornecer matéria-prima aos operários. Tem de se produzir, sem refletir que o mercado se obstrui e que, se as mercadorias não chegarem a serem vendidas, as suas ordens de pagamento acabarão por se vencer. Encurralado, vai implorar ao Judeu, lança-se a seus pés, oferece-lhe o seu sangue, a sua honra. “Um bocadinho de ouro ser-lhe-ia mais útil, responde o Rothschild, tem 20 000 pares de meias em armazém, valem vinte soldos, compro-lhas por quatro soldos.” Obtidas as meias, o Judeu vende-as a seis e a oito soldos e embolsa as moedas de cem soldos que não devem nada a ninguém: mas o fabricante recuou para melhor saltar. Chega finalmente o degelo e os armazéns despejam-se; lança-se então tanta mercadoria pelas janelas que não se sabe como é que elas entraram pela porta. É em centenas de milhões que se cifra o valor das mercadorias destruídas: no século passado, queimavam-nas ou lançavam-nas à água.” Lançada por terra a teoria capitalista do subconsumismo, os economistas burgueses alegaram que as crises capitalistas não eram decorrentes da superprodução mas do superinvestimento, sendo a superprodução apenas um efeito do superinvestimento e não do sobretrabalho. Achavam que podiam mudar as coisas mudando-lhes apenas os nomes. Como vimos acima, para Marx ‘a elevação dos salários desperta no trabalhador igual anseio de enriquecer que no capitalista.’ Mas só há duas formas normais de enriquecimento lícito: ou consumindo menos e/ou produzindo mais. O trabalhador só pode ‘enriquecer’ produzindo mais, já que, de acordo com Marx, o patrão trata o operário como um cavalo, pagando-lhe apenas o salário suficiente para trabalhar e para dar continuidade da classe operária. Na sua obra Riqueza das Nações, Adam Smith diz que ‘enquanto a renda da terra do indolente proprietário agrário equivale habitualmente a um terço do rendimento da terra e o lucro do ativo capitalista chega a duplicar a taxa de juro, o excedente que o trabalhador ganha na melhor das hipóteses é tão pequeno que dois dos seus quatro filhos estão condenados a morrer de fome.’ Ora, o aumento de salário decorre do sobretrabalho; o sobretrabalho implica maior produção, mas, como o trabalhador anseia enriquecer, ele só pode fazê-lo trabalhando mais e mantendo inalterado seu nível de consumo. Assim fazendo, o trabalhador, começa a poupar. Com o aumento da (super)poupança, os juros diminuem. Com a diminuição dos juros, os investimentos aumentam. Concluímos, pois, que o superinvestimento é o efeito da superprodução, não a sua causa. A burguesia tem sempre tentado evitar ou resolver as crises da economia capitalista na esfera da circulação, mas nenhuma dessas tentativas passa pela distribuição do excedente da produção aos produtores. Como visto acima, as soluções para as crises de superprodução vão desde a destruição do excedente da produção até a conquista de novos mercados. Mas a burguesia tem evitado a bancarrota da produção capitalista através do capital fictício. “Todas as nações cujo modo de produção é capitalista”, diz Marx, “são periodicamente tomadas por uma febril tentativa de fazer dinheiro sem a mediação do processo de produção.” Ou seja, as nações burguesas tentam enriquecer não atuando na esfera da produção, mas na esfera da circulação, através do capital fictício. Foi o que ocorreu na chamada bolha imobiliária americana. Com os empréstimos bancários paralisados, os banqueiros incentivaram as pessoas a comparem e a construírem imóveis, facilitando-lhes empréstimos, caso em que o imóvel construído ou adquirido era dado em garantia real ao banco. A procura por imóveis aumentou, aumentando consequentemente os preços dos imóveis. Chegou-se a um ponto em que os preços dos imóveis se elevaram tanto que a procura caiu bruscamente e com a queda da procura, caíram também os preços dos imóveis. Se uma pessoa tomou um empréstimo de R$ 100,00, digamos, para adquirir um imóvel, esse imóvel agora estava valendo apenas R$ 90,00, ou seja, as pessoas estavam pagando um imóvel ao preço de R$ 100,00 mas se fossem vendê-lo só o conseguiriam faze-lo por R$ 90,00. O calote foi geral. Quando os correntistas descobriram que o dinheiro depositados nos bancos não seriam suficientes para resgastes de todos os depósitos, quando descobriram que tudo não passava de uma bolha; quando se deram conta de que havia muitas pessoas ricas apenas aparentemente, começaram a correr para as agências bancárias para sacar seus depósitos. Para evitar o quebra-quebra geral, os governos salvaram os bancos, repassando-lhes dinheiro público para garantirem os depósitos de seus correntistas. Não evitaram a quebradeira geral, apenas adiaram-na. Conclui-se, pois, que os burgueses nunca terão sucesso em suas tentativas de solucionar as crises capitalistas na esfera da circulação, pois pode haver produção sem troca mas não pode haver troca sem produção. Qualquer problema econômico tem sua origem na produção e sua solução só pode encontrar-se, por isso mesmo, na esfera da produção. “Em vez de se aproveitarem dos momentos de crise para uma distribuição geral de produtos e uma manifestação universal de alegria,” diz Paul Lafargue, em Direito à Preguiça, “os operários, morrendo de fome, vão bater com a cabeça contra as portas da oficina. Com rostos pálidos e macilentos, corpos emagrecidos, discursos lamentáveis, assaltam os fabricantes: “Bom Sr. Chagot, excelente Sr. Schneider, dêem-nos trabalho, não é a fome, mas a paixão pelo trabalho que nos atormenta!” E esses miseráveis, que mal têm forças para se manterem de pé, vendem doze e catorze horas de trabalho duas vezes mais barato do que quando tinham trabalho durante um certo tempo. E os filantropos da indústria continuam a aproveitar as crises de desemprego para fabricarem mais barato.” Mas essa distribuição geral dos produtos do trabalho e essa manifestação universal de alegria só ocorrerá se, em vez da burguesia fazer recuar as forças produtivas, o proletariado fizer avançar as relações de produção, isto é, a socialização dos meios de produção, a auto-gestão e a democracia direta.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Carta aberta em favor dos direitos sexuais e reprodutivos das MULHERES


Está em pauta de discussão, na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 1135/1991, com a relatoria do presidente dessa Comissão, Sr. Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), cientes da importância do Legislativo na construção e defesa da cidadania de mulheres e homens o fato de o aborto ser tratado como crime, desde 1940 pelo Código Penal, não diminui a sua prática e, muito menos, tem contribuído para reduzir os altos índices de mortalidade materna. As mulheres continuam realizando o aborto de forma insegura e assim colocam em risco sua saúde e vida. A descriminalização e o atendimento no sistema de saúde são um compromisso assumido pelo Governo brasileiro em diversas conferências internacionais: sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), sobre a Mulher (Beijing, 1995), além de ter sido recomendado pelo Contra Informe à CEDAW em 2007. Em âmbito nacional, é política aprovada 12ª Conferência Nacional de Saúde e nas 1ª e 2ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizadas em 2004 e 2007. Essa última contou com a participação de cerca de 200 mil brasileiras. Considerando a reivindicação dos diversos movimentos sociais e de mulheres, o Executivo criou, em 2005, uma Comissão com representantes da Sociedade Civil, do Legislativo e do Executivo para a revisão da Lei que restringe e pune a prática. O resultado do trabalho desse grupo foi uma proposta de Projeto Lei que tira o aborto do Código Penal e regulamenta seu atendimento pelo Sistema de Saúde. A maioria dos países, por meio da atuação de seus poderes legislativos, está buscando meios para reduzir as mortes maternas por causas evitáveis, descriminalizando e regulamentando o atendimento ao aborto. O Congresso Nacional Brasileiro não pode compactuar com projetos que querem perpetuar e aprovar leis que tratam as mulheres como criminosas. Recentemente, países da região com a mesma configuração sociocultural como a nossa, como o México, Colômbia, Portugal e agora o Uruguai, avançaram em suas legislações para descriminalizar e atender as mulheres que recorrem ao aborto. Também é papel do parlamento brasileiro garantir a efetivação de políticas públicas de saúde reprodutiva e impedir que os direitos conquistados pela luta das mulheres na construção da Constituição Cidadã sejam ameaçados e limitados. Esses compromissos e as reivindicações das mulheres clamam pela mudança urgente da situação que leva milhares delas a sofrerem as conseqüências dessa prática clandestina e, portanto, insegura. O aborto decorre de gravidezes indesejadas e é sempre uma decisão difícil para as mulheres, muitas vezes com graves conseqüências sobre suas vidas. Ao reconhecermos publicamente a gravidade e propormos políticas para enfrentar o problema, nosso objetivo é reduzir o número de abortos realizados. Desse modo, demandamos a atenção e o compromisso de Vossa Excelência. Pela vida das mulheres, pela garantia dos direitos reprodutivos, reivindicamos dos/as senhores/as deputados/as votarem contra os Projetos de Lei que ameaçam esses direitos e votem a favor da descriminalização do aborto. Grupos conservadores e fundamentalistas continuam a tratar como criminosas as mulheres brasileiras que, por razões diversas, precisam recorrer ao aborto. Desrespeitando princípios legais, tentam impedir o acesso aos direitos sexuais e reprodutivos já garantidos, como é o caso do planejamento familiar, da contracepção de emergência, da prevenção de DST/Aids, dos serviços de aborto legal. Para se ter idéia das ações desses grupos, veja alguns projetos apresentados no Congresso Nacional que retiram os direitos já conquistados pelas mulheres. Negam às vítimas de estupro o direito ao aborto seguro * PL 478/2007, dos deputados Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (PHS-MG): tira o direito ao abortamento seguro, mesmo em caso de estupro, e transforma-o em crime hediondo. * PL 489/2007, do deputado Odair Cunha (PT-MG): proíbe o aborto inclusive em casos de estupro. Nega o atendimento às vítimas de estupro nos hospitais de SUS * PDC 42/2007, do deputado Henrique Afonso (PT-AC): susta a norma técnica de 1998 que instrui aos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) a praticarem aborto seguro em caso de gestações decorrentes de estupro até o quinto mês. Proíbe a comercialização da contracepção de emergência * PL 5376/2005, do deputado Carlos Nader (PL-RJ): proíbe a venda do medicamento que ajuda a evitar a ocorrência de gestações indesejadas e aplica multas em dinheiro a estabelecimentos que o comercializarem. Constrange as mulheres na hora de exercer seus direitos * PL 831/2007, do deputado Odair Cunha (PT-MG): determina a criação, nos hospitais que prestam atendimento em aborto legal, de programas para orientar mulheres sobre os efeitos e métodos utilizados no procedimento, de forma a tentar dissuadi-las da decisão de interromper a gravidez. Essas mulheres terão de ser submetidas a filmes que demonstrem as formas utilizadas para a retirada do feto humano e sua formação física, mês a mês, causando-lhes mais um constrangimento. Tudo isso depois de passarem por um estupro ou risco de morte. Preocupado com a perda de direitos já conquistados pelas brasileiras e com a falta de compromisso de parte dos parlamentares com a saúde das mulheres, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), em parceria com as Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro, convoca cidadãs e cidadãos, além de representantes dos movimentos sociais de todo o país,para assinarem a Carta Aberta em Favor dos Direitos Sexuais e Reprodutivos das Mulheres Brasileiras.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

39 mulheres mortas por violência doméstica no ano passado


Trinta e nove mulheres morreram em Portugal no ano passado vítimas de violência doméstica. Entre Novembro de 2005 e Novembro de 2006 foram registadas 43 tentativas de homicídio de mulheres em âmbito familiar. Em todo o ano de 2006 houve 15 mil queixas de violência. E sabe-se que os maus tratos são, por regra, continuados e a sua denúncia só ocorre, em média, ao fim de dez anos de sofrimento em silêncio.Este é o aspecto mais gritante da violência de que as mulheres são alvo. Mas há outros, que revelam o lugar subalterno e dependente que a organização social destina às mulheres, apesar de todas as leis em vigor e não obstante constituírem mais de metade da população mundial. O dia internacional para a eliminação da violência contra as mulheres, que decorre hoje, 25 de Novembro, procura chamar a atenção para esta chaga social que, sob o manto da vida familiar, ou da igualdade formal consagrada pela lei, esconde violências, injustiças e discriminações de toda a espécie.Dados divulgados pela Associação de Planeamento Familiar revelam que as guerras, a fome e o atraso económico vitimam mais mulheres do que homens. É sabido também que no mundo do trabalho as mulheres ganham em média menos do que os homens pelos mesmos serviços e são as primeiras a ser despedidas. O tráfico de seres humanos incide sobretudo sobre mulheres. E pragas como a prostituição organizada conduzem ao resultado de serem as mulheres, de novo, as mais contaminadas por doenças sexualmente transmissíveis, como a sida.Não se está, portanto, diante de um aspecto menor da organização social, de um detalhe a resolver com o passar do tempo. Está-se diante de um modo de escravização de uma parte da humanidade, por sinal a maioria, com o fim de assegurar a reprodução da força de trabalho a baixos custos, através das tarefas domésticas - que são, no fundo, trabalho não pago. Está-se perante uma maneira de perpetuar desigualdades materiais, sociais e culturais, que dividem e enfraquecem em primeiro lugar a massa trabalhadora. De um processo de induzir na relação mulher-homem o mesmo tipo de dependência que submete o trabalho ao capital, atribuindo ao homem o papel de patrão doméstico. É aqui que tem de se encontrar a origem da violência que tem por alvo as mulheres e por agentes os homens.Naturalmente, serão as mulheres a desempenhar o papel principal na luta para alcançar plena e efectiva igualdade. Mas nenhum homem será verdadeiramente livre enquanto por seu intermédio tal injustiça social se eternizar.

Filmes e conversas sobre transgénicos

Aparece para veres alguns pequenos videos e conversar sobre transgénicos!
Esta Quinta-feira (dia 29) às21h15em Coimbra, na República Prá-kys-tão(R. Esteirinhas 2, 1º – à Sé Velha).
Se tens dúvidas escreve para: coimbra@gaia.org.pt.

ATÉ LÁ!

É já no Sábado


Centenário do nascimento de Roberto das Neves, o mais conhecido anarquista individualista português


Em Setembro deste ano de 2007, Roberto das Neves, anarquista individualista português, natural de Pedrogão Grande, completaria 100 anos se ainda vivesse. Em sua memória deixamos aqui a sua bio-bibliografia, alguns poemas, textos e traduções que foram publicados pela editora Germinal, de que foi fundador e principal impulsionador, e a quem se deve um papel ímpar na divulgação do anarquismo e das ideias libertárias no Brasil, para onde foi viver a dada altura da sua vida, e cujo trabalho de difusão também chegou a Portugal, para onde eram enviados igualmente algumas das suas edições.Todos os textos foram retirados do site do seu filho, com o mesmo nome que o seu pai, expressamente criado para recordar a pessoa e a obra de Roberto das Neves pai, e onde se encontram disponíveis outros textos e informações, para consulta e leitura, e cuja visita recomendamos:http://betodasneves.multiply.com/journal/item/14
Roberto das Neves(nota bio-bibliográfica, por Manuel Pedroso Marques)Roberto das Neves, cidadão do mundo, nascido em Pedrógão Grande, terra de onde resguardava as memórias das gentes e das paisagens que nunca esqueceu ao longo de toda a sua vida.
Anarquista que o acontecimento do 25 de Abril deixou tão feliz que, como então escrevia a um amigo, "quase chegou a cometer o perjúrio de se sentir patriota".
Treze vezes preso por motivos políticos (onze em Portugal e duas no Brasil), foi poucas vezes julgado e nunca condenado.
Individualista fascinado pela criação da inteligência dos outros; solidário em extremo com os seus companheiros de ideias.
Escritor e cultor com peculiar afecto da Língua Portuguesa ("porque não havia uma língua universal"), foi esperantista, professor de Esperanto e publicou em Portugal um Curso de Esperanto e foi co-autor de um Dicionário Português-Esperanto e Esperanto-Português que nunca chegou a ser publicado.
Ateu, não por indiferentismo mas por anti-clericalismo, "convicto das dúvidas sobre a existência de Deus", mas atraído pelas para-ciências e por todas as indagações misteriosas e mais ou menos obscuras que a "ciência académica, oficial, recusa". Panteísta: "se a Natureza for Deus… Deus existe".
Maçon desde novo, numa linha que não reúne consenso generalizado, de afirmação de uma atitude anti-clerical para a maçonaria e de debate de política e não apenas de outros campos de ideias.
Grafólogo, apresentou uma tese de conclusão da sua licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, na Universidade de Lisboa, afirmando o método grafológico como um dos que podem contribuir para caracterizar a personalidade. Apesar daquele curso compreender, na altura, a área da Psicologia, não teve arguente na Faculdade porque o tema era, então, completamente desconhecido, mas obteve aprovação… e dedicou-se durante toda a vida à grafologia.
Vegetariano, macrobiótico e militante de regimes alimentares e de vida a que atribuía os fundamentos de vida saudável, como o nudismo, a vida ao ar livre, o antitabagismo, a abstenção de álcool e a recusa de medicamentos.
A identidade de Roberto Barreto Pedroso Neves poderá definir-se por estas anotações de pensamento e de vida. Há coerência, haverá incoerências. Mas, atenção!, para Roberto das Neves a coerência era o efeito de uma relação dele para com ele mesmo, de uma relação estritamente individual.Ele era um anarquista individualista, na linha de Max Stirner, sempre em oposição à orientação colectivista, bacunineana. O indivíduo, com sentido de ego, era o fim social. As organizações sociais eram manifestações burocráticas. Os Estados eram a expressão máxima dessa burocracia. A sociedade só se podia organizar com e na perfeição dos indivíduos.
Todavia, era um homem de causas, empenhado nas lutas cívicas que as serviam. As suas actividades cívicas, profissionais e intelectuais depõem sobre ele. Foram vividas intensamente, mais por amor e amadorismo que por profissão e carreirismo profissional, político ou outro, embora rigoroso ao extremo na sua verdade.
O percurso da vida de Roberto das Neves começa em Pedrógão Grande, no dia 7 de Setembro de 1907 e, quando chega a altura do liceu, em Coimbra, onde os seus pais residiam, com mais cinco filhos. Freqüenta os primeiros anos da licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas. Foi dos primeiros estudantes a serem presos a seguir ao "28 de Maio", juntamente com Vasco da Gama Fernandes, seu colega e amigo. Foi-o várias outras vezes. Em 1927 é preso por andar a distribuir panfletos de sua autoria propagando os ideais anarquistas. Dois anos depois é novamente preso como director do jornal "A Egualdade" ligado à Federação Regional dos Anarquistas do Norte. Em 1930, é mais uma vez preso, acusado de divulgar ideias subversivas (…), sendo ferido e preso numa manifestação popular, em Lisboa, no Campo Santana.
Espanha – Passados alguns anos (e mais algumas prisões), já como jornalista de "O Primeiro de Janeiro", vai para Espanha (1931), interrompendo o seu curso, em Coimbra, cujas praxes académicas haviam merecido o seu repúdio expresso, pelo espírito "conservador e alcoólico" que as caracterizava.
Em Madrid liga-se ao movimento anarquista espanhol, ajuda na reestruturação da Federação Anarquista de Portugueses Exilados e escreve no jornal "Rebelião", órgão oficial desta organização. Aqui, conviveu com outros portugueses que lá se encontravam exilados, como Jaime Cortesão, Jaime de Morais e Alberto Moura Pinto, e ainda o Coronel Velez Caroço entre outros. Os três primeiros (os “Budas” como na oposição eram chamados) viria a encontrar mais tarde, no Brasil, para onde fora em 1942.
Vive das crónicas madrilenas e dos artigos que envia para aquele jornal portuense, na altura, um dos melhores do país. Mas o pagamento era pouco e irregular. Quando o dinheiro atrasava para pagar a pensão, algumas vezes dormiu enrolado na sua capa, que conservara de estudante de Coimbra, no jardim de O Retiro, no centro de Madrid, em cuja situação conhece uma jovem atraída por "um homem bonito que se via logo que não era vagabundo"… e com quem vem a casar e a ter uma filha que viera a nascer também em Pedrógão Grande.(Vinte e seis anos depois, eu e esta sua filha, Primavera, viríamos a casar e a ter a nossa filha Maria Alexandra. Nenhuma pode ler estas linhas. Faleceram. Muito cedo.)
Conspiração em Portugal – De regresso a Portugal, Roberto das Neves vive em Lisboa, escreve para vários jornais vindo a ser jornalista n’O Século. Conclui a sua licenciatura em Histórico-Filosóficas e interessou-o a Psicologia e a Para-Psicologia a que associava a Grafologia. Muito popular na Universidade pela vivacidade da sua inteligência, a originalidade das ideias e pela leitura das letras dos e das colegas, dos namorados e das namoradas…
Faz amizade com José Barão, jornalista de O Século e fundador do "Jornal do Algarve", com Emídio Santana, Mário de Oliveira, Marques da Costa e outros anarquistas, como o anarquista angolano Inocêncio da Câmara Pires, além de outros oposicionistas à ditadura salazarista, de diferentes proveniências ideológicas, como José Magalhães Godinho, Filipe Mendes, Carvalhão Duarte, Henrique de Barros, Piteira Santos, Castro Soromenho e muitos outros com quem mantinha correspondência assídua. Com o poeta goês Adeodato Barreto mantém a amizade que vinha dos tempos de Coimbra, deixando-lhe a sua morte prematura uma inesquecível e terna recordação.
A conspiração contra a ditadura salazarista continua. Há registo de prisões suas nos arquivos da Pide. Duas no Alentejo, em 1933 e 1937, mas consegue convencer a organização local de que não andava em contactos políticos mas sim na prosaica missão de angariar publicidade para uma publicação.
Durante a Guerra Civil de Espanha, quando as forças republicanas já se encontravam em desvantagem, começaram a aparecer em Portugal muitos refugiados espanhóis, clandestinos. Franco e Salazar estabeleceram uma “entente” que se traduzia na entrega dos refugiados que fossem presos às forças franquistas e em deixar em liberdade os que tivessem conseguido obter documentos junto da embaixada do México, em Lisboa, até que fossem transferidos para aquele país longínquo, o que aconteceu por duas vezes, com o afretamento de um navio de passageiros que levou mais de dois mil republicanos espanhóis. Neste período, a mulher de Roberto das Neves, Maria Jesusa Saiz y Diaz, andava acompanhada de uma das suas amigas, muitas vezes a Berta Mendes, mulher do escritor Manuel Mendes, pelas ruas da baixa de Lisboa, a falar espanhol ostensivamente alto… para que algum refugiado se aproximasse a pedir auxílio. Assim conseguiu esconder em casa dezenas de pessoas, até que Roberto das Neves entrava em contacto com a embaixada, com as fotografias, para obter o passaporte e as pessoas pudessem esperar em liberdade a sua transferência para o México.
(Quase trinta anos depois, um destes lê num jornal de Caracas que um “capitão português, genro de Roberto das Neves, se encontrava em asilo político diplomático na Embaixada do Brasil em Lisboa”. O capitão era eu. Recebo uma carta dando-me solidariedade e transportando um cheque com a quantia que um então velho professor de matemática e ex-oficial do Exército republicano espanhol podia dispor.)Brasil. Editora Germinal – Durante a 2ª Grande Guerra, Roberto das Neves emigra para o Brasil, com a mulher e a filha, passando a viver no Rio de Janeiro. Arranja trabalho em alguns jornais, de início, mas a sua vida de trabalho vem centrar-se na editora Germinal e no Instituto de Pesquisas Grafológicas. A actividade editorial caracteriza-se pela divulgação das suas ideias anarquistas, de concepção de vida e saúde e, indefectivelmente, pela oposição ao regime de Salazar.
Na Germinal – nome sugestivo para anarquista – publica obras de combate à ditadura de Salazar, da autoria do Capitão Henrique Galvão (“Operação Dulcineia”, sobre o assalto ao paquete Santa Maria), do Capitão Fernando Queiroga (“Portugal Oprimido”), do Comandante Oliveira Pio (“Fascismo Ibérico”) e do General Humberto Delgado (“Tufão sobre Portugal”), além de outros, sobre temas anti-clericais, como os de autoria de Tomás da Fonseca (“Sermões da Montanha”, “Bancarrota da Igreja”, etc.).
Publica também livros sobre temas de saúde e alimentação, como Macrobiótica Zen, sobre o regime alimentar de Are Waerland, e outros cultivados na tradição alimentar tibetana, além de prospectos e folhetos que publicava sobre os mais variados temas, desde o anti-tabagismo à ridicularização dos comendadores endinheirados da colónia portuguesa, todos salazaristas, com duas únicas excepções: o Comendador Seabra e o Comendador Feteira.
No campo anarquista, a Germinal tinha duas vertentes: uma editorial e outra livreira. Editava obras de tese anarquista, cujo fundo compreendia autores como Daniel Guérin (O Anarquismo – Da doutrina à acção), José Oiticica (Ação Directa), Han Ryner (Manual filosófico do individualista), E. Armand (A Nova Ética sexual” e “Cooperativas de Amor”), V. Tcherkesof (“Erros e contradições do Marxismo”), entre outros. No catálogo de venda de livros estrangeiros, principalmente clássicos em francês ou espanhol, incluíam-se obras de E. Lanti, (O Manifesto dos Anacionalistas), Sébastien Faure, Proudhon, Kropótkin e outros de oposição à historiografia oficial da Revolução Soviética, como Vóline, que tratavam dos temas polémicos da oposição entre anarquistas e comunistas na então URSS e em Espanha, durante a guerra civil.
A Germinal teria, obviamente, um catálogo de “literaturo en esperanto” que incluía traduções de algumas das obras atrás citadas e de Goethe (“O Fausto”), de Tolstoi, Malatesta, Krishnamurti, Óscar Wilde, Jack London, Eugen Relgis, Rosa Luxemburgo, etc., editadas pelas comunidades esperantistas de todo o mundo e que a Germinal vendia, militante.
Bibliografia – Da sua própria autoria Roberto das Neves publicou, em Portugal, alguns poemas de juventude (“Maio em Flor”) e, de conteúdo mais político, “O Espectro de Buiça”, em 1926, logo apreendido pela polícia, além de uma monografia sobre a sua terra natal – Pedrógão Grande. Publicou ainda o que intitulou “Curso Completo de Esperanto”, em fascículos, que consistia numa adaptação de outros métodos de aprendizagem do Esperanto por falantes doutras línguas ocidentais para os de língua portuguesa. Os exemplares restantes da edição deste livro seriam transportados na bagagem de porão do navio, quando Roberto das Neves se transfere para o Brasil, com a família, e viriam a ser todos devorados por um incêndio ocorrido no 18º. andar de um conhecido edifício no centro do Rio de Janeiro, o edifício Rex, onde tinham acabado de se instalar a Editora Germinal e o Brazilia Instituto de Esperanto. Numa edição de autor, publicou a sua tese de licenciatura, “Os temperamentos e as suas manifestações gráficas”.No Brasil editou, sob a chancela da Germinal e das Edições Mundo Livre, as seguintes obras:
“Assim cantava um cidadão do mundo” que reúne poesias de intervenção social desde os tempos de Coimbra. Mereceu críticas elogiosas de amigos e de companheiros de ideias, entre os quais Henrique de Barros, João de Castro Lira e de outros, como Luís Inácio Domingues (Gazeta do Brasil), Edmundo Moniz (Correio da Manhã) que diz: “se, por um lado, o carácter político de sua obra prejudica a sua forma artística, por outro lado dá-lhe grande relevo, pois nele temos um vigoroso panfleto, escrito em versos flamejantes, que tão bem interpreta os sentimentos e as aspirações de um povo oprimido, sofredor e revoltado” … “Na poesia de R. das N. não falta poder de comunicabilidade emocional, pois ele toca numa das teclas mais sensíveis da nossa época: a libertação material e espiritual”. De inspiração junqueiriana, os títulos de alguns dos seus poemas depõem sobre o conteúdo: ‘Sem bandeiras nem fronteiras’, ‘Não irei à guerra, César’, ‘Quero ser como tu, Satan’, ‘Um burro se confessa’, ‘Bernard Shaw chega ao Céu’, etc. Dedica alguns poemas ao Cardeal Cerejeira, que assevera ser ‘o maior ateu de Portugal’. Este seu primeiro livro, de maior fôlego, inclui um soneto satírico e autobiográfico, composto na prisão, que deixa escrito na parede da cela:
Nasceu em Pedrógão Grandee é cidadão do Universo.Suas revoltas expandenas asas largas do verso!Os sofrimentos do Povocombate-os – louco idealista! –e visiona um mundo novo,em seus sonhos de anarquista.Javerts sinistros, medonhos,em prémio dão-lhe a delíciade ir concluir os seus sonhosnas masmorras da Polícia…“O Diário do Dr. Satan” (Comentários subversivos às escorrências cotidianas da sifilização cristã), onde atinge o seu máximo de irreverência e crítica à religião católica e a todas as formas de dogmatismo religioso, político, cultural e científico. Satan (de Satanás, Lúcifer, das luzes…) foi o nome que R. das N. adoptou na maçonaria, em Lisboa. Quando acabou o seu curso de história e filosofia os amigos (irmãos) começaram a tratá-lo por “Dr.”, e daí o Dr. Satan. Nos seus comentários, os nomes de Hitler, Estaline, Franco e Salazar aparecem, com repetida frequência, irmanados na hediondez das respectivas ditaduras.
“Marxismo, escola de ditadores”, editado pela Mundo Livre, trata-se de um pequeno ensaio, incluído numa colecção de Cadernos da Juventude, onde, referindo as contradições que via em Marx, afirma as ideias anotadas pelos anarquistas de que “a ditadura do proletariado” não perderá a transitoriedade que Marx profetiza, perpetuando-se numa ditadura de partido único. Por outro lado, as análises correctas de Marx sobre o capitalismo da época "não lhe pertencem, pois, já haviam sido enunciadas pelos socialistas apodados com desdém de utópicos, que o antecederam".
Defende historicamente as utopias e os utopistas. "Utopias foram a monarquia liberal, no tempo das monarquias absolutas; o abolicionismo, na época da escravatura; a república, na era das monarquias; Júlio Verne e as viagens à Lua…" Este trabalho compreende uma exaustiva recensão das utopias escritas ao longo da História, e de que há conhecimento, no Brasil e no mundo.
“Entre Colunas” (livro cujo título revela a natureza ou a relação maçónica do conteúdo e do autor) reúne doze ensaios ou conferências proferidas nas lojas maçónicas: Labareda, de Coimbra; Rebeldia e Montanha de Lisboa; Aurora, do Porto; Republica Portuguesa, de Madrid; Libertá e Primeiro de Mayo, em Barcelona; Germinal, Pátria Humana, Maria Lacerda de Moura, Lusitânia Livre e Prof. José Oiticica, no Rio de Janeiro; e Francisco Ferrer y Guardia, de São Paulo. Da Maçonaria, R. das N. escreve que ela "não é, como se sabe, uma organização anarquista, anticapitalista, anti-religiosa, mas sim um laboratório de investigação filosófica, sociológico, científica, adogmática, uma tribuna livre, aberta a todas as doutrinas, numa busca incessante e ilimitada da Verdade. Possui um único dogma, se assim se lhe pode chamar: o culto da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade. É sobre esta pedra triangular que assenta o edifício doutrinário da Maçonaria". "Maçons, esses incansáveis investigadores e cultores da filosofia prática".Na vertente prosélita dos regimes de saúde que associava à felicidade individual e ao bem estar social, do anti-consumismo e de uma certa austeridade de vida, escreveu e traduziu livros e opúsculos, entre os quais, “Você é macrobiótico ou vegetariano?”; “Método infalível para deixar de fumar”; “Duodecálogo do verdadeiro macrobiótico”. A “acção directa”, neste campo, consistiu na dinamização de uma cooperativa de restaurantes macrobióticos no Rio de Janeiro, que se pretendia estender pelo Brasil inteiro e que chegou a atingir considerável expressão económica e social, embora restrita àquela cidade.No cultivo da literatura de combate pelo humor, pelo sarcasmo e pela obscenidade, ao bom estilo dos anarquistas do tempo em que a acção directa armada era por eles adoptada, Roberto das Neves fez coisas que narra em seus livros de que se arrependeu, mais tarde, por atentarem contra a liberdade de convicções dos outros. Estão neste caso inúmeras acções de ataque às crenças e rituais religiosos, como "o sujar com pó de sapato vermelho a água da pia de água benta da Sé de Coimbra"… "Coisas de juventude", explica, pedindo desculpa!Outro exemplo desta forma de combate pelas ideias, neste caso usando a obscenidade, pode ver-se em vários opúsculos e panfletos, uns assinados outros apócrifos, como o que se refere à colónia de comendadores portugueses salazaristas do Brasil em que a obscenidade mais suave se manifestava pela grafia da palavra “culónia”, sempre com “u”…Foi atacado por opositores, inimigos políticos e também por correligionários, neste caso quando se zangavam (porque o humor é difícil de manter zangado), por esta sua vertente de “combate literário”. Defendia-se, dizendo que não era pornógrafo nem pornográfico, pelo rigor de linguagem e precisando que as obscenidades ajudavam a ridicularizar os visados!... Na verdade, a qualidade de escrita que Roberto das Neves colocava nestes textos era desconcertante, não desmerecia do que conseguia escrever de melhor. Era uma forma de combate dos anarquistas, levada a sério, mas que também o divertia imenso…Grafologia – A sua outra actividade mais regular desenvolvia-se no âmbito do Instituto de Pesquisas Grafológicas, que fundou no Rio de Janeiro, onde dava cursos de grafologia, desenvolvia estudos, participava em conferências e fazia análises grafológicas de candidatos a lugares que algumas firmas de selecção de pessoal lhe encomendavam. O seu principal cliente era uma universalmente conhecida empresa de lapidação de pedras preciosas e fabricante de jóias que tem o nome do seu principal dono – a H. Stern. Roberto das Neves foi chamado a realizar um estudo grafológico, numa determinada situação, em que um conjunto de pessoas era abrangido, inclusive um jovem chamado Hans, na altura, um modesto funcionário. Pelo perfil grafológico elaborado, tratava-se de um génio comercial. Que viria a tornar-se dono da empresa e um adepto da grafologia: o Sr. Hans Stern!
Oposição Portuguesa – Participa nas acções desenvolvidas pelos vários núcleos de emigrados políticos no Brasil. Pontualmente colaborava com comunistas, reunidos em torno do jornal Portugal Democrático; convocava os seus amigos anarquistas brasileiros para darem maior expressão às lutas da oposição a Salazar e cooperava com todos os outros exilados portugueses, como Sarmento Pimentel, José Santana Mota, engenheiro Baleisão e outros em São Paulo e Oliveira Pio, Armando Magalhães, Francisco Horta Catarino, além de muitos outros, no Rio de Janeiro.A oposição alinhada com a Acção Socialista, no Brasil, após 1965 (que viria a transformar-se no Partido Socialista, em 1973) e outros sem qualquer alinhamento, constituíram um jornal de vida efémera, chamado "Oposição Portuguesa" para apoio do qual Roberto das Neves atraiu amigos seus da maçonaria. Creio que chegou a ter uma posição importante, creio que na loja Lusitânia Livre que reunia muitos dos velhos emigrados políticos portugueses e alguns brasileiros descendentes que faziam da luta pela liberdade em Portugal causa sua, como se portugueses fossem, como o seu amigo Dr. Miranda, proprietário de várias farmácias e garantia certa de que havia dinheiro para comprar a bobine de papel para imprimir o jornal…O ambiente político e pessoal criado entre exilados políticos, em várias experiências ocorridas em diferentes épocas e vários lugares, tem sido caracterizado como fragmentário senão dissolvente das ligações de solidariedade entre homens com objectivos e lutas comuns. As roturas não são apenas ideológicas (que melhor se poderiam entender), antes derivam de um complexo de esperanças, ambições, frustrações, de incapacidade de adaptação ao país de exílio, do tempo de espera, do tempo que passa.Roberto das Neves era perfeitamente adaptado à sociedade brasileira e fascinava-o algum exotismo cultural que nela via. Tinha amigos entre todas as raças e de várias proveniências e de todas as posições políticas de esquerda, com as restrições que os anarquistas que fizeram a guerra civil em Espanha guardaram para sempre em relação aos comunistas. Para Roberto das Neves, Cunhal e Salazar eram sinónimos.Depois que o General Delgado chegou ao Brasil houve um certo entusiasmo entre os exilados com a sua presença. Roberto viria a ter confrontos sérios com o General, com insultos de parte a parte a marcar a polémica, que terminou com a expulsão de Delgado da Associação que tinha o seu nome... e com a sua transferência para outra terra de exílio, a Argélia. Estes factos assinalaram negativamente a imagem da oposição a Salazar, a Embaixada de Portugal "embandeirou em arco", afastando-se da actividade, por uns tempos, figuras da maior respeitabilidade como o Comandante Oliveira Pio, Lafayete Machado e outros.
Centro de Estudos Sociais José Oiticica – Roberto das Neves pertencia à direcção desta associação que homenageava, com o seu nome e finalidade, um democrata brasileiro, oposicionista à ditadura de Getúlio Vargas e um dos mais respeitados filólogos da nossa língua, do seu tempo. Constituíam a direcção o Prof. Serafim Porto, professor metodólogo de português do colégio Pedro II, o Dr. Ideal Perez, uma sumidade da reumatologia no Brasil, o Dr. Pietro Ferrua, ex-Director do CRSA, Centre de Recherches sur l’Anarchisme, de Genève, entre outros. A actividade do Centro resumia-se a uma conferência de 15 em 15 dias, com regularidade notável, com oradores convidados, sobre as velhas e emergentes questões sociais no Brasil e no Mundo.Após o Acto Institucional nº 5, que, em 1968, concretizou a censura prévia à imprensa e aumentou a repressão política no país, a polícia política brasileira prendeu toda a direcção do Centro. Roberto das Neves já tinha sido preso durante a ditadura getulista, por denúncia de actividades subversivas feita por portugueses salazaristas. Desta vez, esteve preso numa base militar, da Força Aérea, na ilha do Governador, onde pretendi visitá-lo, sem que tal me fosse consentido. Invocando a minha qualidade de ex-capitão do Exército Português exilado político no Brasil, como tentativa de falar com alguém mais graduado, fui imediatamente levado à presença do comandante da Base, um Tenente-Coronel. Fui recebido como um camarada de armas. “Nós aqui já nos apercebemos que o Professor Roberto das Neves é uma pessoa especial, um homem muito culto”. Abre um armário que tinha na antecâmara do gabinete e mostra-me: em cada prateleira uma variedade de frutas, peras, maçãs, papaias, abacates… todas alinhadas como numa formatura. “É que o Professor não come cadáveres”, disse respeitosamente. Pedi para deixar um bilhete escrito, já que não podia falar com o Professor… (para que Roberto das Neves soubesse que já se sabia onde é que ele estava…) e parti com a absoluta certeza de que ele estava a "dar a volta" aos carcereiros.Doze dias depois foi libertado e ficou a aguardar julgamento, que viria a realizar-se mais de um ano depois. Criou amizades entre os presos, que ficou a visitar, e o comandante não só aceitou passar a receber os catálogos da Germinal como ficou a pensar em aderir ao vegetarianismo.
Julgamento – Roberto das Neves não constituiu advogado, ao contrário dos seus companheiros de julgamento que eram seis ou sete. Na primeira audiência, depois de ser lida "a acusação" o juiz faz a pergunta sacramental, se o réu tem alguma coisa a dizer em relação à acusação. Roberto das Neves levantou-se e com toda a força de uma forte convicção diz: “Não me acusam de nada! Sou anarquista, ateu, maçon, esperantista e vegetariano”. “Em frente deste tribunal há duas estátuas, uma de Gandi que era anarquista, panteísta e vegetariano e outra do Marechal Duque de Caxias que foi Grão-Mestre da Maçonaria do Brasil”. “Há uma imprecisão no que chamam de ‘acusação’, que foi extraída de uma nota biográfica que consta de um livro meu. Não fui preso doze vezes. Fui mais uma, a que antecedeu este julgamento. Mas nunca fui condenado, fui sempre absolvido, como vai acontecer mais uma vez”.O Juiz fez algum silêncio, antes de suspender a audiência por quinze minutos. Demorou talvez mais de uma hora e veio com a sentença feita. Absolveu os réus todos.
No início da década de sessenta Roberto das Neves casa pela segunda vez com uma antiga aluna de Esperanto, Maria Angélica de Oliveira de quem tem um filho, que vive no Rio de Janeiro e também se chama Roberto das Neves e que tem três filhos. Roberto das Neves morreu em 28 de Setembro de 1981.
Esta nota, na parte biográfica, foi elaborada com a contribuição do filho, Roberto das Neves, e da Professora Doutora Heloisa Paulo, autora de uma tese sobre os portugueses no Brasil e, actualmente, particularmente interessada e conhecedora dos movimentos da oposição à ditadura de Salazar-Caetano no Brasil, a quem agradeço as ajudas prestadas



terça-feira, 20 de novembro de 2007

Prepotências imperiais


Os EUA e a Inglaterra desmoralizaram o que restava de legalidade internacional ao invadir o Iraque, com pretextos que se revelaram falsos, dando razão à negativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas de autorizar­‑lhe mais essa invasão. No entanto, uma brutalidade como essa contra o direito internacional passou batida. Nem sequer uma condenação, mesmo que verbal, que tivesse um carácter moral. A guerra aboliu a diplomacia e a ONU desapareceu sob o fogo dos bombardeios.

Fortalecido pela impunidade, os EUA fomentam um ataque ao Irão, senão uma tentativa de invasão, para a qual pode não estar em condições de suportar uma terceira guerra. Israel ensaiou com um ataque à Síria, para testar a “comunidade internacional”. Nada aconteceu e pode estar­‑se a preparar uma acção de comando teleguiada pelos EUA através de Israel contra instalações nucleares iranianas. O presidente dos EUA fala abertamente no ataque, conforme a teoria dos amigos e dos inimigos. Israel já confessou que tem a bomba atómica, mas por ser aliado carnal dos EUA, o seu armamento é considerado “defensivo”, como se o que Israel faz dia e noite contra os palestinos, que têm o seu território ocupado há 4 décadas e o reconhecimento do seu direito a ter um Estado aprovado pela ONU, não fosse desrespeitado justamente pelos EUA e por Israel.

Não bastasse essas demonstrações de prepotência, os EUA insistem em se valer da presença da sede da ONU no seu território para cometer todo tipo de arbitrariedade. Já recordamos como Portinari não pôde comparecer à inauguração dos seus extraordinários painéis Guerra e Paz, por ter-lhe sido negado o visto pelo governo dos EUA [1].

Desde que Evo Morales assumiu a presidência da Bolívia, não contente com conceder refúgio no seu território para Sanchez de Losada, ex-presidente foragido da Justiça boliviana, negando-se a extraditá-lo para responder pelos seus crimes, entre outras centenas de mortos nas mobilizações populares que levaram à sua queda, ainda nega sistematicamente vistos para ministros indígenas do governo de La Paz ou procede a uma tramitação interminável do visto.

O presidente boliviano, do alto da dignidade que o seu papel de primeiro presidente indígena de um país em que 2/3 da população se reconhece como indígena, recolocou o tema da necessidade da transferência da sede da ONU para outro país. No último FSM realizado em Porto Alegre, um documento assinado por cerca de 20 intelectuais fundadores do Fórum recordava essa necessidade e, quando um jornalista perguntou a um deles para onde poderia ser transferida, a resposta foi directa: Para Hamalah, estaria melhor na Palestina.

O embaixador do império na Bolívia teve a petulância de fazer uma brincadeira com as palavras de Evo Morales, comentando que também poderiam retirar a Disneylândia dos EUA. Diante do gracejo, o presidente boliviano pediu retractação imediata, sob pena do funcionário de Washington ser declarado persona non grata e ser expulso do país.

Assim age o império, com a sua prepotência, enquanto o seu presidente é eleito por ampla maioria, no mundo todo, como o mandatário que mais representa perigo para o mundo.

Pobreza: um novo recorde do Governo


Sócrates deu os parabéns aos portugueses pelos resultados obtidos: 3% de défice orçamental. Dias antes, tínhamos sabido que Portugal tinha 2 milhões de cidadãos a viver na pobreza. Um país decente perceberia que a pobreza é uma violação dos direitos humanos e que o défice prioritário com que nos confrontamos é esse défice social que atira as pessoas para o desemprego, para a miséria e para crescentes dificuldades quotidianas. Mas é evidente que essa é uma questão secundária para o poder. Sócrates e Cavaco fazem declarações condoídas sobre a “exclusão”, mas as suas preocupações neste domínio não exprimem verdadeiros objectivos de justiça, mas sim de controlo social.

O Porto é, nestas questões, um distrito particularmente massacrado pelas políticas liberais. Indicadores como o desemprego, a pobreza ou a incidência do Rendimento Social de Inserção dão-nos um retrato negro: o Porto é recordista da desigualdade. O processo do Livro Negro da Pobreza, dinamizado pelo Bloco, tem-nos já mostrado algumas coisas importantes sobre este fenómeno. Em primeiro lugar, a pobreza atinge mesmo os que têm trabalho: salários baixos, precariedade, endividamento e dificuldades de habitação contribuem para que se torne muito complicado sobreviver num país onde as redes de protecção social são demasiado frágeis. Além disso, o aumento do desemprego é um factor essencial para se perceber o agravamento do fenómeno da pobreza. A maior parte das instituições visitadas pelo Bloco no Porto referem precisamente este aspecto, que deriva directamente de situações de desemprego: cresceu muito a quantidade de pessoas que a elas recorrem, nomeadamente para buscar comida.

Dir-nos-ão que a luta contra a pobreza é uma questão consensual, que todos estão muito preocupados e que este não é um assunto que divida os partidos. Faz parte do senso-comum invocar a luta contra a “exclusão” e mostrar­‑se sensível aos problemas sociais. Mas entre a retórica com que os responsáveis do poder se mascaram e a realidade crua que é consequência das políticas que defendem, vai um fosso imenso. A destruição dos serviços públicos, o aumento do desemprego, a flexibilização das relações laborais e a fragilização da protecção social, a disseminação de uma responsabilização individual pelas desigualdades em que assenta o capitalismo fazem parte da ideologia e da prática do Governo Sócrates. É por isso que ele agrava a pobreza. O mesmo é válido para as lágrimas caridosas de Cavaco Silva. A retórica contra a exclusão, como se ela constituísse uma “nova questão” social que traça as fronteiras entre os que estão “dentro” e os que estão “fora”, tem substituído a discussão da mesma questão a partir de uma outra problemática: a dos “velhos problemas sociais”, da desigualdade e da exploração. Na verdade, eles abordam a pobreza desligando­‑a da problemática do acesso aos direitos sociais e de políticas que ajam sobre as estruturas de distribuição. Em vez disso, a questão é posta em termos de mera correcção dos efeitos das desigualdades e alicerça-se numa retórica economicista que abusa de noções de projecto, autonomia, responsabilidade, entre outras, para diluir as solidariedades sociais e afirmar as virtualidades de um novo individualismo ou lembrar a velha caridade que humilha quem recebe para consolar quem dá. É isso que torna possível que as dores de consciência da direita presidencial e do Governo sejam concomitantes com um agravamento do problema.

Quando Sócrates dá os parabéns aos portugueses porque temos 3% de défice, ele mostra bem a distância e a contradição entre a sua preocupação orçamental e as preocupações da maioria dos portugueses. Ironicamente, os parabéns deviam ser-lhe devolvidos: Sócrates conseguiu que batêssemos alguns recordes. Já temos uma taxa de desemprego maior que a Espanha. E, no Porto, com Sócrates, batemos o recorde nacional da pobreza... Está de parabéns.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Estímulo à devastação ambiental



A empresa de celulose CENIBRA quer iniciar um processo de expansão de sua produção, através do plantio de florestas de eucalipto na região de Rio Vermelho, norte de Minas Gerais. O interesse da empresa coincide com o aumento do desmatamento ilegal na região. As árvores estão sendo retiradas de seu meio ambiente e transformadas em carvão, utilizado pelo setor siderurgico.




A empresa de celulose CENIBRA quer iniciar um processo de expansão de sua produção, através do plantio de florestas de eucalipto na região de Rio Vermelho, norte de Minas Gerais. O interesse da empresa coincide com o aumento do desmatamento ilegal na região. As árvores estão sendo retiradas de seu meio ambiente e transformadas em carvão, utilizado pelo setor siderurgico. A vegetação remanescente é queimada para limpeza do solo. O Instituto Estadual de Florestass acredita que o projeto visado pela CENIBRA, está incentivando os proprietários a desmatar suas terras para oferecê-las posteriormente ao fabricante de celulose. Para controlar e reduzir os estragos causados pelas ações imprudentes dos proprietários de terras da região, o IEF quer que a empresa se recuse a utilizar áreas desmatadas durante os últimos dois anos. O quadro de desmatamento na região é crítico e as pessoas envolvidas parecem não se importar com as consequências devastadoras e irreverssíveis advindas de seus atos. Este assunto merece ser tratado com mais seriedade e firmeza por parte do Governo, que deve garantir maior controle e punição efetiva neste tipo de situação. Caso contrário, não será possível garantir o bem-estar futuro da humanidade.

Saudita estuprada por gangue é condenada a 200 chibatadas

Mulher saudita estuprada por uma gangue é condenada a 200 chibatadas e seis meses de prisão por infringir as leis de segregação por sexo do país.
Uma corte de apelação na Arábia Saudita condenou uma mulher estuprada por uma gangue a 200 chibatadas e seis meses de prisão por infringir as leis de segregação por sexo do país. A mulher, 19, parte da comunidade xiita, foi estuprada 14 vezes durante o ataque de uma gangue na região leste do país. Inicialmente, ela havia sido condenada a 90 chibatadas por violar as leis do país que proíbem qualquer forma de associação entre homens e mulheres não relacionados entre si. Ela tinha estado no carro de um homem desconhecido durante o ataque. Quando a vítima apelou à Justiça, os juízes encarregados do caso afirmaram que ela teria tentado usar a mídia para influenciar a decisão da corte. Eles decidiram então dobrar a pena e condenar a vítima à prisão. Os juízes também dobraram a pena dos estupradores - originalmente de cinco anos. Segundo os jornais sauditas, o estupro aconteceu há um ano e meio numa província do leste do país. Sete homens da maioria sunita do país foram considerados culpados pelo estupro e condenados a penas de um a cinco anos. As penas foram dobradas depois do apelo, mesmo assim foram consideradas brandas - o país prevê pena de morte para estupradores. Os jornais sauditas citaram a declaração de um oficial que afirmou que os juízes decidiram punir a vítima porque ela teria tentado influenciar o poder judiciário pela mídia. O advogado da vítima foi suspenso do caso, teve sua licença confiscada e enfrenta processo disciplinar.

Informação, Desinformação!


sexta-feira, 16 de novembro de 2007

O Carlos morreu, às mãos dos fascistas - Manifestação em Madrid, Sábado 17 de Novembro


Domingo passado, dia 11 de Novembro, no bairro madrileno de Usera estava marcada uma manifestação contra a imigração convocada pelo partido de extrema-direita “Democracia Nacional”. Alguns dos vários antifascistas que se deslocaram para apoiar imigrantes e habitantes do bairro tiveram um encontro com alguns nazis na estação de metro de Legazpi. Do confronto verbal passou-se rapidamente à agressão e um militar, neo-nazi, apunhalou Carlos no coração e Alejandro no pulmão. Deste confronto resultou a morte de Carlos de 16 anos. O agressor também foi atacado e apesar de ter entrado no hospital em estado grave, neste momento encontra-se já recuperado e detido, visto ter sido emitida a ordem de prisão preventiva por questões de "Alarme Social" . No seguimento, outro grupo de antifascistas que subia a rua Marcelo Usera foi atacado pela polícia donde resultou mais uma pessoa ferida, desta vez por balas de borracha da polícia. Em resposta ao assassinato foi convocada em Madrid uma manifestação que contou com 500 a 1000 pessoas, segundo as fontes. Ao fim de uma hora e meia saíram em manifestação e pouco depois de entrarem na rua Gran Via, a polícia apareceu pronta com todo o material antidisturbios atacando os manifestantes. NO seguimento dos confrontos foram arrasadas sucursais bancárias e lojas de moda, ruas foram cortadas e contentores incendiados. Duas pessoas foram detidas. Foram ainda convocadas manifestações de repúdio por todo o estado espanhol, nomeadamente em Logroño, Valladolid, Barcelona, Zaragoza, Valencia, Castello, Xixon, Coruña, Granada, Allicante, Iruña, Vigo, Caceres, Sevilha... Em Madrid multiplicaram-se diariamente as concentrações e manifestações de repúdio e solidariedade, convocadas pelos mais diversos grupos, desde os bairros até às universidades. Para esta próximo Sábado fica o apelo internacional lançado desde Madrid: "Nestes últimos meses grupos de nazis aumentaram o número de agressões em Madrid, atacando imigrantes em plena luz do dia e com toda a impunidade por parte das autoridades. No domingo, 11 de Novembro, o grupo de extrema-direita Democracia Nacional convocou uma manifestação contra os imigrantes num bairro operário de Madrid. Um grupo de antifascistas decidiu mostrar a sua oposição e repulsa. No caminho o grupo encontrou-se com um militar neo-nazi que apunhalou o coração de Carlos, um jovem antifascista de 16 anos, causando-lhe a morte , e ao Alejandro no pulmão, que se encontra em estado grave no hospital. É por isto que colectivos antifascistas de Madrid organizámos uma concentração no centro da cidade (praça do Sol) a 17 de Novembro às 16:30h para impedir uma manifestação fascista convocada para os mesmos dia e hora; e como homenagem ao nosso companheiro Carlos. Desde aqui, queríamos fazer um apelo para que em todas as cidades do mundo se convoquem acções de resposta nesse mesmo dia. Nenhuma agressão sem resposta. Se nos tocam a um, tocam-nos a todos."

Informação tirada no Indymedia.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Sábado dia 24 de Novembro




Sábado dia 24 pelas 17.00
no Club Aljustrelense
Partindo da apresentação do livro “Ardinas da Mentira” e do Jornal Popular “Mudar de Vida”, um convite à conversa com o seu autor, o jornalista Renato Teixeira, o colectivo Mudar de Vida, o colectivo do Indymedia pt., e o da revista Alambique de Aljustrel…Um convite à reflexão e ao debate sobre o carácter propagandista da imprensa dominante, e um convite à criação de jornais e outros meios de informação alternativa.
«(…)O objectivo é então, a par de lançar o debate sobre a superestrutura dos meios de comunicação, da sua promiscuidade com o poder e desse modo com a mentira, lançar a discussão sobre as possibilidades da resistência neste particular, e partir para a rua com a experimentação dos frutos desse debate(…) Os jornalistas devem colocar a si próprios a primeira questão: que fazer?Ficar acoplado à ideia de que é possível disputar a luta pela verdade no mesmo tabuleiro dos donos da notícia, e estar, desse modo, disposto a ser ardina da mentira, ou antes partir, de armas e bagagens, para a trincheira onde estão os dispostos a combater o apagamento organizado da memória colectiva?(…) Porque a liberdade não está ao alcance de quem a entende mas de quem a detém, tal qual dizia uma das frases inscrita nas paredes da República Prá-kys-tão: “liberdade é a palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique, nem ninguém que não entenda”.»de “Ardinas da Mentira” de Renato Teixeira, edições Dinossauro, 2007
http://www.jornalmudardevida.net/
Segue-se janta vegetariana e pela noite adentro…Drum’n’Bass e Hard Stepping DUB
directamente pela BADMOOD Crew com
NSEKT e DUB_BUD
(http://www.badmood.net/)

Tropas da ONU são acusadas de violações de direitos humanos


No dia 15 de Outubro de 2007, o Conselho de Segurança da ONU decidiu estender o mandato da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH), até 15 de Outubro de 2008. Em nota divulgada dia 16 de Outubro de 2007, o Ministério das Relações Exteriores afirma que, «o governo brasileiro recebeu, com satisfação, a decisão». O exército brasileiro tem a função de coordenar as forças da MINUSTAH, composta por cerca de nove mil soldados. Porém, há pouco debate na sociedade brasileira sobre o papel do Brasil na ocupação do Haiti e, principalmente, sobre as denúncias de participação das tropas da ONU em violações de direitos humanos.

Um dos casos documentados por organizações haitianas de direitos humanos foi o massacre ocorrido dia 22 de Dezembro de 2006 na comunidade de Cité Soleil, após a organização de um protesto de cerca de dez mil pessoas que demandavam o retorno do presidente Jean-Bertrand Aristide ao país e a saída das forças militares estrangeiras. Segundo relatos da população local e imagens em vídeos produzidos pela organização Haiti Information Project – HIP (Projecto de Informação do Haiti), as forças da ONU atacaram a comunidade e mataram cerca de 30 pessoas, inclusive mulheres e crianças.

Em resposta às críticas das organizações de direitos humanos que denunciaram o massacre, a MINUSTAH justificou as suas acções com o pretexto de combater supostos gangues em Cité Soleil. Porém, as imagens gravadas pelo HIP revelaram que as tropas da ONU atiraram a partir de helicópteros contra civis desarmados. A agência de notícias Inter Press Service (IPS) documentou a situação da comunidade logo após o ataque e registrou marcas de balas de grosso calibre em muitas casas. O director do HIP, Kevin Pina, acusa a MINUSTAH de actuar em conjunto com a Polícia Nacional Haitiana em execuções sumárias e prisões arbitrárias e avalia que, «neste contexto, é difícil continuar a ver a missão da ONU como uma força independente e neutra no Haiti».

Em entrevista à jornalista Claudia Korol para a agência Adital, Camille Chalmers, professor da Universidade do Haiti e membro da Plataforma Haitiana para a Articulação de Movimentos Sociais, explica que «a MINUSTAH tentou construir legitimidade dizendo que estão a lutar contra bandidos. Mas muita gente percebe que a única coisa que pode realmente reduzir a insegurança são políticas públicas e serviços sociais. Ao contrário, o que temos é um aparato militar violento» [1].

Outra operação militar violenta ocorreu em Julho de 2005. Nesta ocasião, foram registradas 22 mil marcas de tiros durante um ataque da MINUSTAH a Cité Soleil. Os informes do HIP citam depoimentos de moradores denunciando que foram encontradas pessoas mortas e feridas dentro das suas casas. Estes depoimentos revelam que os soldados atiraram indiscriminadamente contra a comunidade, causando um efeito devastador, já que as condições de habitação no local são extremamente precárias. Denunciaram ainda que a MINUSTAH não permitiu a entrada da Cruz Vermelha, o que significa uma violação da Convenção de Genebra.

Documentos confidenciais do governo dos Estados Unidos, obtidos por organizações de direitos humanos através de demanda judicial baseada no Acto de Liberdade de Informação, demonstram que a embaixada estadunidense sabia que as tropas da ONU planejavam um ataque a Cité Soleil. Organizações sociais locais avaliam que o objectivo dos militares era impedir uma manifestação popular no dia do aniversário de Aristide, que ocorreria em 15 de Julho.

Um relatório elaborado pelo Project Censored (Projecto Censurado) estima que mais de mil membros do Lavalas, partidários do presidente Jean-Bertrand Aristide, foram presos e cerca de oito mil pessoas foram assassinadas durante o chamado “governo interino”, que controlou o país de 2004 a 2006, a partir do golpe contra Aristide, em 29 de Fevereiro de 2004. Camille Chalmers caracteriza esta acção como uma «intervenção liderada pelos governos dos Estados Unidos e da França». E explica que «solidariedade com o povo do Haiti é ajudar a reconstruir o país, a responder aos problemas sociais mais angustiantes, mas a presença dos militares não ajuda. Os objetivos de alcançar a segurança e os direitos humanos não foram alcançados. Ao contrário, pensamos que a presença da MINUSTAH constitui uma violação do direito à autodeterminação do povo do Haiti».

Mais recentemente, em 2 de Fevereiro de 2007, as tropas da ONU realizaram outra operação em Cité Soleil, que resultou na morte de duas jovens que dormiam em sua casa. Em 7 de Fevereiro, diversas manifestações populares ocorreram no país e, em 9 de Fevereiro, novamente ocorre um ataque militar naquela comunidade, denunciado por organizações locais, como o Instituto para a Justiça e a Democracia do Haiti (IJDH).

No dia 30 de Outubro de 2007, foi divulgado o sequestro da Dra. Maryse Narcisse, que pertence à direcção nacional do Lavalas e trabalhava com programas sociais de saúde e educação no Haiti. Outro membro do Lavalas, o psicólogo e defensor dos direitos humanos Lovinsky Pierre-Antoine, desapareceu no dia 12 de Agosto. Organizações locais acusam as tropas de ocupação da ONU de gerar instabilidade política e atacar defensores da democracia e dos direitos humanos no país.

Entre os dias 23 de Junho e 3 de Julho de 2007, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), realizou uma missão de observação no Haiti e constatou que a MINUSTAH exerce um papel «violento» e «constrangedor», que não pode ser caracterizado como «acção humanitária». O advogado Aderson Bussinger Carvalho, responsável pelo relatório, defendeu a retirada das tropas brasileiras do Haiti. «A conclusão a que eu cheguei é que a presença das tropas no Haiti não é humanitária. É uma missão estritamente militar. O país tem uma história de ocupações e o Brasil acaba exercendo um papel nesse histórico», afirmou Carvalho em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 4 de Setembro de 2007.

O papel dos militares latino-americanos no Haiti hoje é semelhante à força multilateral que permaneceu na República Dominicana após a invasão dos Estados Unidos em 1965. A República Dominicana viveu um longo período de ditadura militar até 1961, com a morte do ditador Rafael Trujillo. Em 1962, Juan Bosch é eleito presidente, mas é deposto por um golpe militar após sete meses de governo. Em Abril de 1965, uma série de manifestações populares pede a volta do ex-presidente Juan Bosch. Foi neste período que o presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, ordenou uma invasão militar à República Dominicana, com cerca de 20.000 marines. Algumas semanas depois, a Organização dos Estados Americanos (OEA) envia a “Força Interamericana de Paz”, composta por 1.129 soldados. Naquele período, quando o Brasil vivia sob uma ditadura militar, a função das tropas brasileiras na República Dominicana era semelhante à que exercem actualmente no Haiti.

As diversas denúncias sobre o papel negativo que as tropas da ONU exercem no Haiti não são levadas em conta pelo governo brasileiro. Sob o pretexto de tentar conseguir um assento no Conselho de Segurança da ONU (o que seria muito improvável actualmente), a política brasileira em relação ao Haiti serve para legitimar um golpe de Estado e reforçar os interesses do governo dos Estados Unidos na região.

Jean-Claude Paye: «As leis antiterroristas. Um acto constitutivo do Império» *


– O fim das soberanias e das liberdades na Europa –


As leis “antiterroristas” impostas pelos Estados Unidos serviram para estabelecer os fundamentos sobre os quais se constrói uma nova ordem de direito, 0bserva o sociólogo Jean-Claude Paye. Elas aplicam-se doravante a todos os Estados europeus. Qualquer vulgar cidadão europeu pode, actualmente, ser vigiado no seu próprio país por serviços secretos estrangeiros, ser designado como um “combatente inimigo”, ser entregue a torturadores da CIA e ser julgado por comissões militares estadunidenses.

Silvia Cattori: Ao ler as suas duas obras La fin de l’État de droit. La lutte antiterroriste: de l’état d’exception à la dictature e Global War on Liberty [Guerra Global à Liberdade [1] compreende-se uma coisa que os responsáveis políticos querem esconder­‑nos: que todas as medidas tomadas no âmbito do Patriot Act [2] – apresentados como devendo referir-se a organizações terroristas – foram generalizadas e afectam doravante o conjunto dos cidadãos. Tem­‑se dificuldade em compreender como os Estados europeus puderam aprovar o abandono da sua ordem legal e submeter as suas sociedades a estas leis de excepção?

Jean-Claude Paye: Efectivamente, não há nada nos acordos europeus de extradição, assinados em 2003, que impeça os cidadãos europeus de serem levados perante os órgãos jurisdicionais de excepção dos Estados Unidos. É necessário saber que estes acordos, que legitimam estes Tribunais de excepção, são o resultado de anos de negociações secretas. São apenas a parte emergida do icebergue. Uma parte do texto relativa a estes acordos foi tornada visível porque devia ser ratificada pelo Congresso dos Estados Unidos.

Do lado europeu, não era necessário fazê­‑los ratificar pelo Parlamento Europeu, e os Parlamentos dos Estados­‑Membros não tiveram nenhuma possibilidade de influenciar o conteúdo dos acordos. São simples funcionários mandatados pelos diversos Estados-Membros que negociam a nível europeu.

– Mas, assinando estes acordos, o Conselho Europeu precipitou os nossos países num universo kafkiano! Se estes acordos não foram ratificados pelo Parlamento Europeu, porque foram aceites?

Não foram ratificados – o Parlamento Europeu tem apenas um parecer consultivo – mas têm força de lei. É muito revelador da estrutura imperial instaurada. Pode-se ver que a única estrutura estatal soberana que subsiste, são os Estados Unidos. A União Europeia, por exemplo, é uma estrutura completamente estilhaçada.

– A que nível teve lugar esta negociação?

Ao nível dos representantes do Conselho Europeu. São funcionários que quase não devem prestar contas. São os delegados permanentes responsáveis pelos assuntos de polícia e de justiça, designados pelos Estados­‑Membros. São funcionários europeus ou nacionais que se tornam satélites da Administração dos Estados Unidos. Isso é válido no plano judicial, mas também no plano económico.

– A União Europeia não está pois interessada em proteger os seus cidadãos. Tudo está fora do seu controle?

Sim, evidentemente. Foi construída de modo que tudo esteja fora do seu controle. Isso mostra que a União Europeia não é uma alternativa à potência dos Estados Unidos. Pelo contrário, ela está integrada nesta potência imperial, é um simples retransmissor [3].

Antes do 11 de Setembro de 2001 os Estados Unidos negociavam de forma bilateral. Na época, hesitavam em negociar com uma entidade como a Europa dos quinze porque havia sempre um Estado-Membro que não estava de acordo. Com os atentados do 11 de Setembro, as coisas aceleraram-se e simplificaram­‑se para os Estados Unidos. Continuam a negociar acordos bilaterais mas, agora, tratam também directamente com a União Europeia porque têm a relação de forças necessária para que os seus pedidos sejam imediatamente aceites. Vimo­‑lo aquando dos acordos relativos aos dados de vigilância das passagens aéreas. Um primeiro acordo tinha sido assinado em 2004, depois um segundo em 2006 e um terceiro em 2007. De cada vez, os Estados Unidos aumentaram as suas exigências.

O acordo sobre os dados relativos aos viajantes que se dirigem aos Estados Unidos – entrado em vigor a 29 de Julho de 2007 – é um bom exemplo. Neste acordo, os europeus esvaziaram da sua substância todas as protecções legais, nacionais e europeias, que existem em matéria de dados pessoais. Estes são acessíveis 72 horas antes do embarque. As companhias aéreas devem transmitir o número dos cartões bancários, o trajecto que você fará nos Estados Unidos. Estes têm o direito de impedir o acesso ao território, têm todos os direitos. Os cidadãos estrangeiros não são protegidos pelas leis dos Estados Unidos. Aquando das negociações, Washington concedeu que os europeus seriam tratados como os cidadãos dos Estados Unidos, mas trata­‑se aí de um privilégio concedido pela administração, que não tem força de lei e sobre o qual o poder executivo pode retornar.

– Nada mais se opõe à instauração de um sistema policial?

Evidentemente! Os governos europeus querem realizar a mesma tomada em mão das nossas liberdades. As exigências dos Estados Unidos dão-lhes a oportunidade. Dizem-vos: “Somos obrigados a aceitar os pedidos dos Estados Unidos porque as companhias europeias não poderão mais aterrar lá». Agem como se os Estados europeus não tivessem nenhum meio de retorsão e não pudessem, por sua vez, interditar as companhias estadunidenses de aterrar na Europa. Na verdade, eles querem fazer a mesma coisa que a administração estadunidense. Já existe o projecto de instaurar trocas de informações similares a nível europeu.

– Na Grã-Bretanha, as leis “antiterroristas” permitem perseguir qualquer pessoa que tem propósitos considerados susceptíveis de «criar uma atmosfera favorável ao terrorismo». Estas leis podem igualmente estender-se a outros Estados?

Sim. Na Grã-Bretanha, o governo Blair pôde criminalizar qualquer forma de oposição radical à sua política externa por meio da lei. Sobre o continente, os Estados procuram agir por meio da jurisprudência. Houve um processo extremamente interessante relativo a militantes e simpatizantes do DHKPC na Bélgica, uma organização de oposição radical turca [4], que mostra como o poder procura criar tribunais de excepção para fazer passar uma jurisprudência de excepção. Pela criação destes tribunais o poder procura criminalizar qualquer forma de apoio, mesmo verbal, a grupos rotulados como “terroristas” pelos Estados Unidos, inscritos depois na lista europeia das organizações “terroristas”.

– Em suma, estas leis “antiterroristas” instauradas após os atentados do 11 de Setembro de 2001, servem não somente os desígnios da administração Bush, mas também os dos governos europeus?

As medidas de que falamos foram instauradas antes do 11 de Setembro de 2001. O Patriot Act reúne um conjunto de medidas que existiam já parcialmente. O objectivo do Patriot Act não era unicamente impor as medidas tomadas, mas dar-lhes uma legitimidade. O que era parcelar, disperso, está agora reunido numa só lei. O que dá uma legitimidade às medidas que são tomadas.

– Pode-se deduzir que os Estados Unidos tinham necessidade de um grande atentado para fazer passar em força esta modificação do direito penal?

Obviamente! É necessário saber que o Patriot Act, que foi apresentado três dias após os atentados, compreende 128 páginas. O sistema penal dos Estados Unidos é complexo, funciona por referências. Isso quer dizer que uma lei altera o conteúdo das outras leis penais. Se tomarmos o conjunto das modificações, isso corresponde a 350 páginas. É necessário pelo menos um ano para redigir tal texto.

Ao nível da União Europeia, não é menos caricatural. As duas decisões quadro – a relativa às organizações “terroristas” e a relativa ao mandato de prisão europeu – foram apresentadas uma semana após os atentados. Aí também se trata de textos que estavam prontos. Esperava-se uma ocasião para os fazer passar.

– O que quer dizer que Bush desde 2001, e Sarkozy agora, podem servir-se destes procedimentos de excepção para transformar em inimigos quem eles quiserem?

No momento em que estes textos foram adoptados, tinha-se já uma boa ideia de aonde eles podiam conduzir. A lista das redes “terroristas” vem da União Europeia. É um regulamento europeu de 2001 que a instaura. No meu livro La fin de l’État de droit, pego no caso de um comunista filipino, José Maria Sison, um refugiado político reconhecido que teria obtido o asilo político nos Países Baixos. Inscrito na lista “terrorista” dos Estados Unidos, o seu nome foi transcrito em seguida na lista “terrorista” holandesa. Sison soube que estava inscrito na lista “terrorista” quando as suas contas foram bloqueadas e quando foi expulso do alojamento social que lhe tinha sido atribuído. Foi depois retirado da lista holandesa, mas como, entretanto, tinha sido inscrito na lista europeia do Conselho, o governo holandês serviu-se do pretexto de que Sison constava da lista “terrorista” europeia, para manter as disposições que não podia justificar.

O que é interessante neste caso, é que, a 11 de Julho de 2007, o Tribunal Europeu do Luxemburgo anulou a decisão do Conselho Europeu. Estipulou que não havia razão para inscrever Sison na lista “terrorista” do Conselho que permite o bloqueio das contas. O julgamento deixa bem claro que foram a ausência de “motivos pertinentes” e o desrespeito pelos direitos da defesa que fizeram com que a decisão do Conselho Europeu tenha sido anulada.

Contudo, a 28 de Agosto, Sison mais uma vez foi detido pela polícia holandesa, em violação da decisão do Tribunal de Justiça. Este caso é significativo das relações que há actualmente entre a Justiça – que é a última instituição de resistência à concentração dos poderes nas mãos do executivo – e a polícia. Isso mostra que a polícia faz o que quer, violando as decisões de justiça.

– Pareceria que a primeira transcrição na lista “terrorista” francesa dos decretos promulgados recentemente por George Bush, que criminalizam as organizações e indivíduos que se opõem à actual política no Iraque e no Líbano, começou. Uma lista de nomes poderia ser em breve publicada conjuntamente pela França e pelos Estados Unidos. Quando o dispositivo legislativo relativo ao branqueamento foi votado em Janeiro de 2006 pelo Parlamento em França [5], ninguém se questionou que serviria para atacar opositores políticos?

Em cada país, há uma lista interna das organizações “terroristas”. Geralmente, trata-se da simples transcrição da lista do Conselho Europeu, à qual são acrescentados elementos complementares.

Inteiro­‑me no que diz respeito ao Líbano. Aqui parece que foram acrescentados elementos complementares sobre os elementos de oposição política no Líbano. Seria interessante saber se estes elementos vão ser integrados na lista do Conselho Europeu.

Não é um Tribunal que declara que tal é “terrorista”; é uma simples autoridade administrativa que o inscreve, sem que haja alguma explicação que justifique pô-lo nesta lista “terrorista”.

– O que é que tudo isso lhe inspira?

Isso mostra que quase todos os poderes estão actualmente concentrados nas mãos do executivo. Que o executivo tem agora poderes judiciais. É o poder executivo que decide que se pode tomar esta ou aquela medida a vosso respeito.

O exemplo que se refere à oposição no Líbano e o exemplo de José Maria Sison, são exactamente a mesma coisa. Trata-se de decisões sem motivações. Excepto que, com o Líbano, há uma extensão, dado que não é suficiente ser membro de uma organização que é designada como “terrorista” para ser incriminado, mas simplesmente ter contactos com os seus membros. É uma tendência geral que prevalece a nível da aplicação das legislações “antiterroristas”.

– Então, o objectivo do Patriot Act e das outras leis “antiterroristas”, é o de atacar as liberdades fundamentais?

Sim, o objectivo é suprimir as liberdades fundamentais.

– Seria de esperar que todas as forças políticas denunciassem estas normas de excepção. A esquerda, que se apresenta como defensora da justiça social, não deveria mobilizar-se, exigir que se retorne imediatamente ao Estado de Direito?

A Esquerda? Qual esquerda? Olhe para os Estados Unidos. Os democratas votam as leis mais liberticidas elaboradas pelo Partido Republicano. O Military Commission Act, adoptado em 2006, foi votado igualmente por uma parte do Partido Democrata que, no entanto, é maioritário na Câmara e tinha a possibilidade de impedir esta lei de passar.

Entre nós, é a mesma coisa. Não se vê a diferença com a direita quando a esquerda está no poder, à parte uma aceleração, como é o caso com o presidente Sarkozy. Por exemplo, em França, as primeiras medidas de vigilância da net, medidas de vigilância global, foram instauradas pelo governo de Lionel Jospin.

O único aparelho que manifesta uma pequena resistência é o aparelho judicial. Nos Estados Unidos, há deliberações tomadas pelo executivo que são anuladas. Por exemplo, quando o Tribunal de Cassação na Bélgica anulou por defeito de forma o julgamento em apelação dos militantes do DHKCP, é uma resistência no aparelho judicial. O problema é que não há nenhum eco na sociedade civil. Esta ausência de eco soma­‑se ao silêncio dos meios de comunicação social. Não se pode esperar de uma instituição isolada que possa conduzir muito tempo a resistência.

– Mas é um ataque contra a liberdade de opinião que se estende ao mundo inteiro. É pois capital que os partidos políticos se preocupem com estas derivas e que os cidadãos saibam que estas novas leis permitem, com base numa simples suspeita, manter qualquer um em prisão sem acusação e sem processo, que já ninguém está protegido pela lei, que se trata de um arbitrário total! Como explicar que, nos Fóruns Sociais, os altermundialistas, os responsáveis da ATTAC, não ponham estas questões no centro do debate?

Não falam. Não querem falar. Isso toca nos problemas fundamentais. Não querem falar destes problemas porque deveriam enfrentar directamente o poder. Estas preocupações são secundárias para eles. Também não fazem parte do programa da ATTAC. Falam da taxa Tobin, de coisas periféricas. Estamos numa sociedade psicótica, uma sociedade da não confrontação.

Não são nunca os partidos que governam que protegem os cidadãos. Sempre que os partidos fizeram passar medidas favoráveis aos cidadãos, é porque havia uma relação de forças que os obrigou. A democracia conquista­‑se cada dia, nunca é concedida.

Se estudarmos e explicarmos estas leis “antiterroristas”, revelar‑se­‑á exactamente a natureza do poder. Não poderemos mais falar de poder democrático, veremos uma sociedade que já está em marcha para a ditadura. Constataremos que cada nova medida tomada é pior que a precedente. As coisas são muito claras. Mas recusamo­‑nos a vê­‑las como são.

O problema fundamental não é que o poder se transforme em ditadura, porque, como a história o demostra, um poder incontrolável transforma-se sempre em ditadura. O problema fundamental da nossa época é a abdicação das pessoas perante este processo. E esse é um fenómeno assaz novo. As pessoas abandonam ao poder e à máquina económica as suas liberdades; e a prazo, tendo em conta os problemas ambientais e climáticos, a sua sobrevivência como espécie viva.

– Desde quando pressentiu que as coisas iam evoluir neste sentido, e que pessoas que criticam o sistema político e mediático iam ser proibidas de falar?

A partir do fim dos anos 90. Já nessa época, constatava-se a instauração deste Estado policial. Mas as leis instauradas à época parecem quase democráticas em relação ao que vemos hoje. O processo conhece uma forte aceleração.

– Isso significa que a Autoridade executiva dos Estados Unidos ataca directamente os direitos fundamentais dos cidadãos do mundo inteiro, entre os quais os da União Europeia!?

Sim, evidentemente! Mas não se trata somente do executivo estadunidense, mas do conjunto dos executivos do planeta, entre os quais há uma verdadeira solidariedade contra as suas populações. As prisões secretas da CIA são um bom exemplo deste processo [6]. Ao nível europeu, administrações foram integradas directamente nesta organização da tortura. No melhor dos casos, tudo o que se pôde obter dos governos europeus é que se comportam como os três pequenos macacos: cegos, surdos e mudos [7].

– O que vai acontecer àqueles que estão inscritos nestas listas “terroristas”, que permanecem secretas?

As listas “terroristas” não são todas secretas. A nível europeu, só a lista “Europol” é secreta. Ela permite tomar medidas de vigilância e a aplicação de técnicas especiais de vigilância e de investigações secretas a propósito de pessoas designadas como “terroristas” [8].

A lista do Conselho Europeu permite tomar medidas financeiras, como o bloqueio das contas bancárias. Todos estes elementos vão ser utilizados se a relação de forças for favorável ao poder existente. A primeira coisa a fazer é revelar o que se passa, difundir o máximo de informações e fazer de modo que estas listas sejam conhecidas.

– Isso não vos sugere nenhuma analogia?

Sim, o clima dos anos 30. Mas, actualmente, instaura-se uma ditadura mundial. Uma espécie de “melhor dos mundos” e não um simples processo de “fascisação”.

– Desde 2001, raptam-se pessoas, torturam-se pretensos “terroristas” de origem árabe e confissão muçulmana. Deve-se esperar que, amanhã, se punam aqueles que denunciam estes abusos?

O império tem necessidade de inimigos. Ele cria, inventa os seus próprios inimigos.

A primeira coisa a fazer é mostrar o que está escondido [9]. Há tantas leis que permitem fazer qualquer coisa, em qualquer momento! Mas isso faz-se em função da resistência imediata dos interessados. Anteriormente, havia um quadro legislativo que nos protegia. Agora, podem fazer qualquer coisa se tiverem a capacidade de o impor. Hoje, as coisas repousam sobre uma pura relação de forças.

– Dick Marty [10], mandatado pelo Conselho da Europa, poderá obter da União Europeia a anulação destas listas ilegais?

O relatório Dick Marty redigiu é muito importante! O seu relatório faz mossa, opõe-se à linha política dos governos europeus. Mas, na prática, Marty não tem nenhum poder; o seu relatório nada pôde alterar porque é contra a corrente. Esse relatório é contudo essencial.

– Estas políticas que nos falam de justiça e de liberdade, são vento?

É necessário ser lúcido, mostrar as coisas como são. Aqueles que fazem críticas limitando­‑se a dizer: “Sim é necessário leis antiterroristas, é necessário lutar contra o terrorismo, mas é necessário evitar os abusos” nada mais fazem que legitimar o ponto de vista do poder. É necessário mostrar que as leis, que têm por objectivo declarado lutar contra o “terrorismo”, são na verdade leis contra as populações.

A última lei promulgada nos Estados Unidos, o Military Commission Act, é uma lei constitucional de alcance mundial, como demonstro no meu último livro Global War on Liberty. O presidente dos Estados Unidos tem a possibilidade de designar como inimigo qualquer cidadão estadunidense ou qualquer cidadão de um país com o qual os EUA não estão em guerra. A gestão das populações, cidadãos estadunidenses compreendidos, torna­‑se um acto de guerra e não já apenas uma acção de polícia.

Tomemos o exemplo do Acordo Swift. A Swift é uma agência belga que se ocupa das transferências financeiras internacionais. A Swift transmitiu, desde 2001, todas as informações sobre as transacções dos seus clientes violando, não somente a legislação belga, mas a legislação europeia [11]. É o direito dos Estados Unidos que se aplica na Europa.

Tudo o que é dito pela administração estadunidense é do domínio da fé. A tese governamental sobre os atentados do 11 de Setembro, ninguém pode racionalmente crê­‑la. O relatório da Comissão nem sequer indica que uma terceira torre se desmoronou. É um relatório psicótico no qual o discurso do amo se substitui ao dos próprios factos. Uma recente sondagem Zogby mostra que a maioria dos estadunidenses deseja a reabertura do inquérito [12]. Enquanto que na Europa, o simples facto de fazer perguntas é estigmatizado.

– Que mecanismo resta para exigir o retorno a um Estado de Direito?

É necessário pôr as coisas em pratos limpos. Falar claramente. Mostrar os desafios. Isso depende da capacidade de resistência das pessoas.

A luta “antiterrorista” é na verdade uma guerra contra as liberdades. Esta guerra contra as liberdades é a primeira etapa de uma guerra contra as populações. E o Military Commission Act é uma lei penal que tem um carácter mundial, e que, na verdade, é um acto de uma soberania imperial. É uma lei que confunde relação de polícia e relação de guerra. É a instauração de uma nova forma de Estado mundial que, integrando funções de polícia e de guerra, luta contra as suas próprias populações.

Algo importante, esta lei é aplicável a nível mundial, dá a possibilidade aos Estados Unidos, não somente de raptar, mas sobretudo de fazer com que lhe seja entregue qualquer cidadão do mundo, ou seja, pessoas que qualificaram de “inimigos combatentes”.

Os acordos europeus de extradição com os Estados Unidos não se opõem a que as pessoas designadas como “inimigos combatentes” possam ser transferidas para os Estados Unidos. É pois uma lei que tem um alcance mundial. É um Acto constitutivo do Império.

Actualmente, é o direito penal que é constituinte. Isto já existiu na história das nossas sociedades. O direito penal exerce um papel constituinte nos períodos de transição (por exemplo, no início do capitalismo o direito penal foi dominante).

Se o direito penal é actualmente dominante, é porque se prepara uma nova forma de direito de propriedade. Ao qual poderíamos chamar o fim da “propriedade de si”. O conjunto dos nossos dados pessoais já não nos pertence. Pertencem ao Estado, mas igualmente às firmas privadas. A dominação do direito penal prepara a instauração deste futuro direito privado.

– As pessoas pensam geralmente que estas medidas só tocam indivíduos precisos?

Elas tocam todos. Tocam qualquer forma de resistência. Um “terrorista” tornou-se alguém que não quer abandonar as suas liberdades ao poder, alguém que quer viver.

– Desde este Verão, os Estados Unidos consideram como suspeitos de “terrorismo” os opositores à sua política no Iraque e no Líbano [13]. O director da agência de imprensa libanesa New Orient News, membro da Rede Voltaire, já aí figura. A administração Bush teria pedido ao governo Sarkozy que transcrevesse em direito francês as novas listas de opositores políticos e de aí fazer figurar o jornalista Thierry Meyssan, já personna non grata no território dos Estados Unidos. Isso surpreende-o?

Não estava a par do pedido concreto de Bush relativo a Thierry Meyssan. Mas é um contexto de pura relação de forças num momento determinado. Quando se pensa na histeria que os ditos “intelectuais” franceses desenvolveram, e nos ataques que Thierry Meyssan sofreu em França desde a saída do seu livro sobre os atentados de 11 de Setembro [14] que ousava fazer as perguntas que era necessário pôr­‑se, nada nos pode já surpreender.

O meu trabalho mostra que as disposições “antiterroristas” têm por objecto atacar os opositores políticos, bem como as populações, e não somente os “islamitas”. Não podemos pois ser fundamentalmente surpreendidos, se isso se verifica, com uma eventual inscrição de Thierry Meyssan nas listas “terroristas”. Contudo, isso indicaria que franqueamos uma nova etapa na criminalização da expressão de oposição. Isso indicaria que o poder se sentiria perfeitamente à vontade, trazendo à luz do dia os objectivos que sempre negou até ao presente.

Quem pode acreditar na tese governamental dos atentados do 11 de Setembro? Quem pode acreditar que uma torre atingida por um avião cai de maneira controlada? O problema é que os Estados Unidos dão todas as informações que permitem pôr em causa a sua tese, e as pessoas fazem de conta que acreditam. Estamos num mecanismo perverso, no qual o indivíduo, para não enfrentar o Real, faz de conta que acredita no inverosimilhante.

– Então, apesar de Thierry Meyssan ter revelado factos que foi necessário levar a sério, curiosamente, os jornalistas em geral fustigaram­‑no.

A quem pertencem esses jornais que difamaram Thierry Meyssan? Esses “jornalistas” são pessoas que recopiam o que lhes dizem para dizer. Conhece muitos jornalistas “oficiais” que verificam as suas fontes e que fazem um trabalho de investigação sério?

– Os seus livros são importantes para todos os que defendem as liberdades.

Escrevi esses livros porque acreditei que era necessário fazê-lo. Quando vi essas leis passarem na Bélgica e por toda a parte no mundo, tudo caminhava no mesmo sentido. Era necessário fazer ressaltar essa coerência. Há pouca gente que faça esse trabalho. Sou quase o único que trabalha de forma global. Todos esses dados não estão colectados. Devo colectá-los, fazer o trabalho dos juristas e, ao mesmo tempo, o meu trabalho de sociólogo, de poder pensar a nova forma de organização do poder. Os meus trabalhos levam em conta os dois lados do Atlântico. Estudam, não só as leis antiterroristas, mas todas as leis de controle social. Isso forma um todo.

O Peixe Morcego Vulcânico Cego